MPF e MPTCU emitem nota técnica contrária a PEC que busca autorizar coleta remunerada e comercialização de plasma sanguíneo
Projeto está em fase de discussão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal
Foto ilustrativa: Pixabay
O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) emitiram nota técnica questionando aspectos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2022, que, entre as alterações apresentadas, busca autorizar a coleta remunerada do plasma humano bem como a comercialização do plasma sanguíneo e dos hemoderivados. A PEC altera o art. 199 da Constituição Federal e está em fase de análise pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal. Para os MPs, a legislação atual sobre o tema já é suficiente e as mudanças propostas, conforme analisado na nota, além de contrárias ao interesse público, vão de encontro a princípios e garantias constitucionais, entre os quais, a dignidade humana, a segurança nacional, e o direito à saúde.
A nota técnica é assinada pela procuradora da República Silvia Regina Pontes Lopes, coordenadora substituta do Grupo de Trabalho (GT) Saúde da Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral do Ministério Público Federal (1CCR/MPF), e pelo procurador do MPTCU Marinus Marsicus, por meio do SubGT Interinstitucional MPF/MPTCU – Hemoderivados.
Legislação atual - A respeito do desperdício de plasma no Brasil, mencionado na justificativa da PEC, a nota destaca que, em julho de 2020, foi editada a Portaria 1.710, do Ministério da Saúde, que implementa a destinação do plasma excedente do uso hemoterápico no âmbito dos serviços de hemoterapia do país. A norma estabeleceu que esse material deve ser enviado à Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) para estocagem e posterior destinação, visando à produção dos hemoderivados ou sua obtenção junto ao mercado externo.
Conforme consta na nota técnica, “desde a edição da referida portaria, a adequada destinação do plasma excedente das doações de sangue, de modo a evitar-se o desperdício, passou a depender tão somente da qualificação e certificação dos hemocentros, que devem dispor de estrutura e capacidade técnica adequada para processar, armazenar e repassar o material para a Hemobrás”. Dessa forma, os MPs reforçam que a implementação e o aperfeiçoamento da atividade já contam com solução infraconstitucional, dependendo apenas de fatores técnicos e operacionais, e não da legislação atinente ao plasma, que é sempre passível de ser aprimorada, sem a necessidade de qualquer alteração constitucional.
Os autores da nota frisam, ainda, que os pontos elencados pela PEC já são objetos de lei, uma vez que o § 4º do art. 199 da Constituição é regulamentado pela Lei 10.205/2001 (Lei do Sangue) e pela Lei 9.434/1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, implementando a Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados.
Riscos da PEC - O documento também menciona a adição de mudanças significativas e preocupantes em relação ao texto original da PEC, durante o trâmite no Senado, entre as quais, se destacam dois pontos: a permissão da coleta remunerada do plasma humano e a autorização da comercialização do plasma sanguíneo. Os autores relembram, então, experiências anteriores no país, durante as décadas de 1960 e 1970, que trouxeram a possibilidade da doação remunerada, quando houve diversos casos noticiados de pacientes infectados por doenças ou outras condições maléficas à saúde, decorrentes da contaminação do sangue recebido.
Para os MPs, a solução para os hemoderivados no Brasil não passa por estimular a doação do plasma por meio da remuneração ou oferta de benefícios financeiros de qualquer natureza, sob pena de se desvirtuar o caráter altruísta e solidário desse ato, que, uma vez condicionado à prestação de vantagem econômica, afasta os ideais do pensamento coletivo e do compromisso com a cidadania, imprescindíveis para garantir isenção e segurança.
Sobre a questão, os autores da nota defendem que, uma vez autorizada a comercialização do plasma e dos medicamentos a partir dele produzidos, insere-se a matéria-prima e seus derivados nas regras e práticas do livre mercado. Tal situação produziria consequências inerentes aos princípios da oferta e procura, como manipulação de preços, estocagem indevida, concorrência desleal, entre outros problemas que podem ser observados em mercados sensíveis e de grande relevância social, dos quais a venda de medicamentos e insumos hospitalares é um exemplo. “Permitir o comércio do plasma humano, além de desencadear práticas ilícitas, pode atentar contra a dignidade dos doadores e comprometer a segurança necessária para a adequada obtenção dessa matéria-prima, em prejuízo da própria produção dos derivados do plasma humano e da saúde pública como um todo”, argumentam.
Hemobrás – A nota técnica reforça que os hemoderivados atualmente fornecidos pela Hemobrás são reconhecidos como Produtos de Defesa, conforme a Portaria 5.888/2022, do Ministério da Defesa – são eles: albumina, fatores VIII e IX de coagulação e imunoglobulina. Ressalta, ainda, que a atual gestão do plasma sanguíneo no país, cuja competência recai sobre a Hemobrás, visa a justamente garantir a adequada destinação da matéria-prima, que é remetida ao exterior para fracionamento, retornando integralmente ao Brasil na forma de hemoderivados, cuja fabricação, em breve, será feita pela própria estatal. Outras portarias do Ministério da Defesa classificam a Hemobrás como Empresa Estratégica de Defesa, além de reconhecerem como produtos estratégicos de defesa o gerenciamento de plasma e o projeto de fabricação de hemoderivados e biotecnológicos da empresa.
O documento foi enviado à coordenação da 1CCR/MPF, para encaminhamento ao Senado Federal.
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