PGR questiona lei do Amapá que restringe o acesso de pessoas com deficiência ao sistema educacional
Segundo Augusto Aras, norma viola preceitos constitucionais e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
Foto: Antonio Augusto/Secom/MPF
O procurador-geral da República, Augusto Aras, propôs ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra lei do Amapá que prevê prioridade de acesso a pessoas com deficiência física, mental ou sensorial em escola pública próxima à residência. O problema é que a norma tratou o tema de forma restritiva e contrária ao que dispõe a legislação federal. O entendimento de Aras é que os dispositivos questionados violam artigos da Constituição Federal e da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Augusto Aras aponta que a Constituição Federal concedeu às pessoas com deficiência diversos direitos e garantias, entre eles, o direito de atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. Pontua que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com status de norma constitucional, determina a inclusão dessas pessoas em todos os níveis da educação, impede que sejam excluídas do sistema educacional geral, sob o pretexto da deficiência, e impõe ao Estado a adoção de medidas para implantação de um sistema educacional inclusivo.
Nesse contexto, o PGR sustenta que cabe às instituições de ensino e aos sistemas educacionais adotarem todas as medidas cabíveis para oferecer educação inclusiva a todos aqueles que dela necessitam, em qualquer nível educacional. Destaca que a Convenção Internacional e o Estatuto das Pessoas com Deficiência (Lei 13.146/2015) concederam ampla e abrangente definição de pessoas com deficiência, exigindo que todas elas, independentemente da natureza da deficiência, sejam tratadas em igualdade de condições entre si.
Deficiência intelectual – Um dos pontos questionados pelo procurador-geral é o trecho da norma que considera deficiências que necessitam de assistência especial as que decorrem de problemas visuais, auditivos, mentais, motores ou má-formação congênita. Aras avalia que, ao excluir as pessoas com deficiência intelectual desse rol, a lei não está em conformidade com a definição adotada tanto pela Convenção Internacional quanto pelo Estatuto das Pessoas com Deficiência. Segundo ele, essas normas incluem não apenas as deficiências de natureza física, mental e sensorial, mas também a intelectual.
"Não se vislumbram motivos razoáveis e compatíveis com normas constitucionais que justificassem a concessão do aludido benefício apenas às pessoas com deficiência física, mental ou sensorial, com exclusão dos estudantes com deficiência intelectual", frisa o PGR. Dessa forma, para sanar a referida inconstitucionalidade, a ação propõe que seja fixado o entendimento de que o benefício educacional previsto na lei do Amapá alcança invariavelmente as pessoas com deficiência física, mental, intelectual e sensorial.
Modelo biopsicossocial – Na ação, Aras também aponta inconstitucionalidade do trecho, segundo o qual, as deficiências deverão ser comprovadas por meio de laudo fornecido por instituições médico-hospitalares públicas e competentes para a finalidade. Também nesse caso, conforme pontua o procurador-geral, a norma do Amapá segue modelo diverso do adotado pela Convenção Internacional e pelo Estatuto das Pessoas com Deficiência que, atualmente, adotam o modelo biopsicossocial. Ou seja, as deficiências deixaram de ser diagnosticadas clinicamente como enfermidades e serem curadas e/ou tratadas e passaram a ser avaliadas por meio da atuação de equipe multiprofissional e interdisciplinar, composta por profissionais de distintas áreas, não apenas da medicina.
Nesse ponto, para solucionar a inconstitucionalidade, Aras propõe que o trecho da lei seja interpretado de forma a estabelecer que as deficiências dos beneficiados sejam comprovadas por intermédio de equipe multiprofissional e interdisciplinar, mediante avaliação biopsicossocial. O PGR esclarece que é permitido ao STF extrair interpretação conforme à Constituição, desde que a decisão com eficácia aditiva não altere o sentido inequívoco da norma.
Alcance – Por fim, o procurador-geral questiona o trecho da lei que exclui do dever de concessão do benefício os estabelecimentos de ensino que não tenham condições necessárias para oferecer educação a pessoas com deficiência mental e sensorial. Segundo ele, a norma restringe o alcance do benefício, estabelecendo injustificada diferença de tratamento entre pessoas com deficiência, com prejuízo daqueles que tiverem deficiência mental e sensorial.
Aras ainda cita que o dispositivo em análise parte da premissa de que é admissível a existência de sistemas e estabelecimentos de ensino que não tenham condições necessárias para oferecer educação inclusiva a pessoas com deficiência mental e sensorial. Segundo ele, essa compreensão vulnera o artigo 208 inciso III da Constituição Federal e o artigo 24 da Convenção Internacional, que impõem ao Estado brasileiro a implementação de educação inclusiva em todos os níveis e sistemas de ensino.
Medida cautelar – O procurador-geral requereu a concessão de medida cautelar (liminar) para suspender a eficácia das normas questionadas. Ele cita a possibilidade real de prejuízos a pessoas com deficiência em razão do perigo na demora processual. Aras destaca que a lei questionada subverte o modelo constitucional de proteção ao direito à educação das pessoas com deficiência, viabilizando a concessão de reiterado e repetido tratamento discriminatório a estudantes, ao longo do tempo, ocasionado pela distinção da natureza da deficiência. "Se o objetivo é a proteção das pessoas com deficiência, essa tutela há de se proceder da forma mais ampla e rápida em benefício de todas elas, sem qualquer discriminação", conclui.