MPF pede que Tribunal reconsidere decisão que manteve flexibilização da quarentena em Sergipe
Decreto que flexibilizou as medidas de distanciamento social em Sergipe não contou com o devido embasamento em critérios científicos e informações estratégicas de saúde
Arte: Secom/PGR
O Ministério Público Federal (MPF) – por meio da Procuradoria Regional da República da 5ª Região (PRR5) – pediu ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que reconsidere a decisão que negou o pedido de concessão de tutela de urgência para suspender trechos do decreto estadual nº 40.567, de 24 de março de 2020, que flexibilizou as medidas de distanciamento social em Sergipe. O decreto autorizou o funcionamento das atividades industriais em geral e do setor de construção civil, entre outras, como hotéis, motéis, pousadas, concessionárias de veículos, cartórios e tabelionatos, entre outros.
A demanda foi objeto de uma ação civil pública ajuizada na Justiça Federal em Sergipe pelo próprio MPF – por meio da Procuradoria da República em Sergipe (PR/SE) –, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Ministério Público do Estado (MP/SE), contra a União e o estado de Sergipe. Os Ministérios Públicos argumentam que o estado ainda não cumpre requisitos mínimos para realizar, de forma segura, a transição do regime de Distanciamento Social Ampliado (DSA) para o Distanciamento Social Seletivo (DSS).
Como o pedido foi negado em primeira instância, os Ministérios Públicos recorreram ao TRF5 – com sede no Recife (PE). No Tribunal, a desembargadora federal Isabelle Marne Cavalcanti de Oliveira Lima (convocada), atuando como relatora do processo, não concedeu a liminar, o que manteve em vigor o decreto estadual. Ela alegou que cabe ao Poder Executivo, auxiliado, no que for de sua competência, pelo Poder Legislativo, a adoção de providências para enfrentar a pandemia de covid-19. Dessa forma, o Poder Judiciário não deveria substituir as autoridades competentes na escolha dessas medidas.
Em sua decisão, a relatora afirmou que não se vislumbra o comprometimento de mais de 50% da capacidade de internação naquele estado, uma vez que 45 leitos da rede hospitalar pública de Sergipe estão disponíveis para o atendimento imediato dos pacientes, contando com todos os itens necessários, como equipe profissional, ventilador mecânico e equipamentos de proteção individual (EPIs). Ela citou notícia divulgada na imprensa no último dia 23 de abril – com dados relatando que Sergipe registrava, naquela data, 135 casos de covid-19, com 17 pacientes internados (sendo 9 em UTI). Nessas circunstâncias – afirma a desembargadora –, deveria ser iniciada a transição para o Distanciamento Social Seletivo (DSS), de acordo com o boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde no dia 6 de abril.
Reconsideração – Para o MPF, a desembargadora deixou de analisar diversos argumentos do recurso, que, se fossem levados em conta, resultariam em uma decisão diferente da que foi tomada. Em seu pedido de reconsideração, o Ministério Público argumenta que nenhuma medida de flexibilização de isolamento social pode ser tomada sem o devido embasamento em critérios científicos e informações estratégicas de saúde. O MPF alega que é fundamental o cruzamento dos dados sobre o número de contaminados, a partir de testes, com a disponibilidade de leitos de UTI para decidir sobre protocolos de isolamento. Sem isso, as decisões são tomadas às escuras, baseadas pura e simplesmente no número atual de internados, cenário que se altera rapidamente nesta pandemia, como já aconteceu em diversos países.
O próprio Ministério da Saúde, no mesmo Boletim Epidemiológico citado pela desembargadora, afirma que o Distanciamento Social Seletivo para o qual o estado de Sergipe já iniciou sua transição, “torna-se temerário sem as condicionantes mínimas de funcionamento: leitos, respiradores, EPI, testes laboratoriais e recursos humanos”.
O MPF destaca que, ao contrário do que aponta a decisão do TRF5, embasada em site jornalístico privado, a página oficial do governo do estado de Sergipe (todoscontraocorona.net.br) informa que havia no estado, até o último dia 3 de maio, 772 casos confirmados e 21 pacientes internados em UTI (em leitos das redes pública e privada). De acordo com os cinco últimos boletins epidemiológicos da Secretaria de Saúde do estado, houve um crescimento significativo do volume de casos de 29 de abril a 3 de maio de 2020, muito provavelmente como consequência das primeiras medidas de afrouxamento do isolamento social. A cada 3,44 dias, o número de infectados está dobrando.
O procurador regional da República Fernando José Araújo Ferreira, autor do pedido de reconsideração, alerta ainda para o fato de que o índice de subnotificação de contaminados em Sergipe é gigantesco. No último dia 30 de abril, a OpenKnowledge Brasil (OKBR) divulgou um ranking dos estados brasileiros, organizado conforme o grau de transparência na divulgação de dados sobre a covid-19 (levando em conta itens como idade, sexo, status de atendimento, doenças associadas, ocupação de leitos e testes disponíveis e aplicados e, ainda, o detalhamento das informações). Sergipe está entre os últimos da lista, com uma das piores avaliações.
“Sem uma testagem em massa da população, a fim de saber não só a real quantidade de pessoas infectadas, mas também o número preciso de mortes por covid-19, bem como se a curva que demonstra o número de pessoas infectadas está em ascensão ou decréscimo, qualquer medida de relaxamento de isolamento social se mostra, no mínimo, irresponsável”, declara o procurador. Ele destaca que é exatamente esse o posicionamento do Ministério da Saúde brasileiro, conforme aponta reportagem da Folha de S. Paulo, de 30/4/2020, em que o ministro Nelson Teich afirma, categoricamente, que “(...) não é possível flexibilizar distanciamento com casos em franca ascensão”.
O MPF chama a atenção ainda para o alerta do Dr. Miguel Angelo Laporta Nicolelis, médico, cientista da saúde e coordenador da Comissão Científica do Consórcio Nordeste para o enfrentamento do coronavírus e da covid-19 nos nove estados nordestinos, sobre os perigos que o estado de Sergipe pode representar para toda a Região Nordeste, com o relaxamento do distanciamento social. O cientista afirmou, em uma reportagem: “Nós estamos olhando com muito cuidado, fazendo projeção para todos os Estados, mas, por exemplo, a minha grande preocupação neste momento é com Sergipe, porque se Sergipe relaxar no distanciamento social e tiver uma inundação de casos, aí você perde o primeiro dominó desse jogo, e aí vai caindo o Norte da Bahia, vai caindo Alagoas, vai caindo o centro do Nordeste e vai chegando nos ramos rodoviários que começam a espalhar isso por todo lugar”.
N.º do processo: 0804129-38.2020.4.05.0000 (AGTR - PJe)
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