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Rio de Janeiro

Patrimônio Cultural
17 de Dezembro de 2018 às 18h35

MPF no Rio de Janeiro: Justiça determina reintegração de posse de armazém do Cais do Valongo

ONG Ação e Cidadania ocupa atualmente o Armazém Central das Docas Pedro II e deve desocupar o imóvel em 30 dias

imagem do galpão Armazém

Reprodução de imagem do processo

Em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal,(MPF) a Justiça determinou que a ONG Ação da Cidadania não alugue, ceda ou transfira, especialmente para festas e eventos comerciais, o Armazém Central das Docas Pedro II, imóvel de propriedade da União que atualmente ocupa, sob pena de multa de R$ 100 mil por evento realizado. Com essa decisão, fica impedida a realização da Festa Enel 2018, que ocorreria no local no dia 19 de dezembro.

Pela decisão, em até 30 dias, a ONG terá que
desocupar o Armazém, com a imissão da União e da Fundação Cultural Palmares na posse do imóvel e a sua imediata ocupação. A Fundação e o governo federal deverão apresentar, também em 30 dias, cronograma de trabalho com prazo de conclusão para o mês de dezembro de 2019, contendo a previsão, mês a mês, das medidas administrativas que serão adotadas a fim de cumprir a obrigação contraída com a Unesco, referente à instalação do “centro de acolhimento turístico” e do “memorial da celebração da herança africana”, até 31 de dezembro de 2019, no Armazém Central das Docas Pedro II.

Centro de interpretação - 
A instalação de um “centro de acolhimento turístico” e de um “memorial da celebração da herança africana” no prédio faz parte das obrigações do Brasil junto à Unesco, que, em julho de 2017, concedeu o título de “Patrimônio Cultural Mundial” ao sítio arqueológico do Cais do Valongo, situado exatamente em frente ao imóvel. 

Segundo documento assinado pelo Iphan e pela prefeitura do Rio, o Brasil tem até 2019 para instalar no local o centro turístico, também denominado de “centro de interpretação” do sítio. Os procuradores da República Sergio Gardenghi Suiama, Jaime Mitropoulos, Renato Machado e Antonio Cabral, que assinam a ação, salientam que, faltando um ano para o fim do prazo acertado com a Unesco, a União não providenciou a retomada da posse do imóvel e sequer possui a concepção do que pretende instalar no local.

Projetado e construído pelo engenheiro negro André Rebouças, no século XIX, sem uso de mão de obra escrava, o edifício é de propriedade da União e encontra-se ocupado a título precário pela ONG Ação Cidadania desde 2000. Segundo apurou o MPF, a ONG obteve, no ano de 2016, receita de R$ 1,4 milhão , o equivalente a 83,54% dos seus ingressos, com a locação ilegal do prédio público federal para festas e filmagens, inclusive com o patrocínio de marcas comerciais. O imóvel é de propriedade da União e foi tombado pelo Iphan em 2016.

No mesmo ano, segundo apurou o MPF, a entidade pagou, a título de pro-labore a seus diretores, R$ 119 mil. “Vê-se clara distorção: aquilo que deveria, quando muito, ser um convênio temporário para o desenvolvimento de um projeto social, eterniza-se como principal fonte de receita de uma entidade privada, literalmente servindo para remunerar todos os seus diretores e empregados”, afirmam os procuradores do MPF.

A ação do MPF cita ainda o fato de que a Secretaria de Patrimônio da União cedeu, em junho de 2018, o imóvel ao Ministério da Cultura, exclusivamente para o fim de se “implementar projetos que visem apoiar o desenvolvimento cultural e a promoção arqueológica do Sítio do Cais do Valongo com o objetivo de criar um Centro de Referência da celebração da herança africana no imóvel". A cláusula 4ª do termo de cessão proíbe expressamente a utilização do imóvel para fim diverso do que justificou a entrega.

“É preciso consignar, lamentavelmente, que a União deixou de cumprir o plano de promoção arqueológica do sítio, documento subscrito pela presidente do Iphan e pelo prefeito do Rio de Janeiro, na condição de representantes do governo brasileiro”, afirmam os procuradores na inicial da ação.

A ação do MPF registra que, “com a mudança do titular do ministério, ignorou-se o trabalho de um ano realizado pelos técnicos da Secretaria de Cultura do município, e, ao final de um mandato governamental, outorgou-se à Fundação Cultural Palmares a tarefa de refazer todo o processo, mediante um chamamento público que não ocorreu”.

O MPF pede a proibição de locação do espaço para a realização de festas e eventos comerciais, a imediata retomada do imóvel e o cumprimento da obrigação assumida junto a Unesco, ou seja, a instalação do “centro de acolhimento turístico” e do “memorial da celebração da herança africana” no prédio de Docas Pedro II.

Cais do Valongo - Durante mais de três séculos, o Brasil recebeu por volta de quatro milhões de escravos negros. Destes, aproximadamente 60% entraram pelo Rio de Janeiro, sendo que cerca de um milhão pelo Cais do Valongo. A partir de 1774, por determinação do Marquês do Lavradio, vice-rei do Brasil, o desembarque de escravos na cidade foi integralmente concentrado na região da Praia do Valongo, onde se instalou o mercado de escravos que, além das casas de comércio, incluía um cemitério e um lazareto.

O objetivo era retirar da Rua Direita, atual Primeiro de Março, o desembarque e comércio de africanos escravizados. Após a chegada, os escravos eram destinados às plantações de café, fumo e açúcar. Os que permaneciam na cidade eram geralmente empregados em trabalhos domésticos ou obras públicas. A vinda da família real portuguesa para o Brasil e a intensificação da cafeicultura ampliaram consideravelmente o tráfico escravagista, tornando o Rio de Janeiro a capital com o maior número proporcional de escravos desde o Império Romano. Em 1811, com o incremento do tráfico e o fluxo de outras mercadorias, foram feitas obras de infraestrutura, incluindo o calçamento de pedra de um trecho da Praia do Valongo, que constitui o sítio arqueológico do Cais do Valongo.

O local foi desativado como porto de desembarque de escravos em 1831, quando o tráfico transatlântico foi proibido por pressão da Inglaterra – norma solenemente ignorada, que recebeu a denominação irônica de lei para inglês ver. Doze anos depois, em 1843, o Cais do Valongo foi aterrado para receber a princesa das Duas Sicílias e princesa de Bourbon-Anjou, Teresa Cristina, esposa do imperador Dom Pedro II, recebendo o nome de Cais da Imperatriz. Com a assinatura da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, pôs-se fim verdadeiramente ao tráfico para o Brasil, embora a última remessa conhecida date de 1872 e a escravidão tenha persistido até a Abolição, em 1888. Em 1911, com as reformas urbanísticas da cidade, o Cais da Imperatriz foi aterrado.

Cem anos mais tarde, em 2012, a Prefeitura do Rio de Janeiro acatou a sugestão de organizações do movimento negro e transformou o espaço em monumento preservado e aberto à visitação pública. O Cais do Valongo passou a integrar o circuito histórico e arqueológico da celebração da herança africana, que estabelece marcos da cultura afrobrasileira na região portuária, ao lado do Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Pedra do Sal, Centro Cultural José Bonifácio e Cemitério dos Pretos Novos.

Em julho de 2017, durante a sua 41ª Reunião, o Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco decidiu incluir, na Lista do Patrimônio Mundial, o Cais do Valongo “por seu grande significado para gerações passadas, presentes e futuras no que se refere a história do tráfico atlântico e a escravização de africanos”.

O sítio arqueológico do Cais do Valongo constitui não só o principal cais de desembarque de africanos escravizados das Américas, como o único que se preservou materialmente. É, assim, o mais destacado vestígio do tráfico negreiro do continente.

Íntegra da decisão.

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