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Rio de Janeiro

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6 de Setembro de 2017 às 15h15

MPF/RJ debate o futuro do Cais do Valongo após título concedido pela Unesco

Evento teve como objetivo identificar as medidas que serão tomadas após concessão de título de patrimônio cultural da humanidade

Foto: Ascom/PR/RJ

Foto: Ascom/PR/RJ

O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF/RJ) promoveu a audiência pública "Cais do Valongo: Patrimônio Cultural da Humanidade: e agora?". O evento teve a participação do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), da Secretaria Municipal de Cultura, do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), de autoridades e pesquisadores que acompanharam o processo de inclusão do Cais do Valongo na lista do Patrimônio Mundial da Unesco, de movimentos da sociedade e de cidadãos. A audiência ocorreu no dia 28 de agosto, no auditório da Procuradoria da República.

Presidida pelos procuradores da República Sergio Suiama e Jaime Mitropoulos, a audiência foi composta por mesas de trabalho, além da participação do público. As atividades foram abertas pelo procurador Sergio Suiama, que falou sobre a importância do título concedido pela Unesco ao Cais do Valongo para a cidade do Rio de Janeiro e o país.

"Para nós, do MPF, o reconhecimento do título de Patrimônio Cultural da Humanidade não é um fim, uma etapa final do processo. É uma etapa inicial de um processo que tem a ver com as consequências, necessidades e políticas públicas que devem ser desenvolvidas pela prefeitura, pelo Estado e pela União, buscando não só a proteção e a conservação do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo, como também a promoção desse bem como valor cultural fundamental para os brasileiros e, também especialmente, para a memória da cultura negra no Brasil e a escravidão mundial", afirmou o procurador da República Sergio Suiama.

Os objetivos da audiência, ressaltados no início do evento, eram: a) obter e tornar públicas as informações dos órgãos federais e municipais envolvidos, relacionadas à formulação de política pública específica voltada à proteção e à promoção do conjunto arqueológico do Cais do Valongo, após a concessão do título de Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco; b) tornar públicas as recomendações encaminhadas pela Unesco de medidas referentes ao conjunto arqueológico; c) ouvir as considerações de representantes da sociedade civil diretamente envolvidos no processo, bem como de todos os presentes à audiência.

Da mesa de abertura participaram a Subprocuradora Geral da República da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão (MPF/PGR), Darcy Santanna Vitobello; o Diretor do Departamento de Patrimônio Material do Iphan, Andrey Schlee; e a Secretária Municipal de Cultura, Nilcemar Nogueira. A primeira a falar foi a Subprocuradora Geral da República da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão (MPF/PGR), Darcy Santanna Vitobello, que ressaltou a necessidade de preservar e ressaltar a memória dos africanos. "A participação da 4ª Câmara, que trata do Meio Ambiente e do Patrimônio Histórico, nesta audiência é justamente para demonstrar o apoio que a Procuradoria Geral da República tem dado a esse trabalho dos colegas do Rio de Janeiro e dizer da importância do reconhecimento dos nossos irmãos africanos desse espaço. O que temos que fazer agora é preservar essa memória e ressaltar que, apesar da entrada dos africanos tenha sido por um meio desumano, a cultura africana muito enriqueceu o Brasil. De um lado nós temos uma página feia da história e de outro uma cultura enriquecida por todos esses valores que nós herdamos dos países africanos. É muito importante e nós temos que lutar, não só para preservar esse espaço, mas também para valorizar e integrar as pessoas da sociedade", ressaltou Darcy Santanna Vitobello.

Na sequência, o diretor do Departamento de Patrimônio Material do Iphan, Andrey Schlee, apresentou quatro temas que tangenciam a temática do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo e "poderão ajudar a construir formas de gestão dada a variedade de instituições presentes" na audiência: o Tombamento da coleção do Museu da Magia Negra (1938); o Projeto de monitoramento e escavação arqueológica do programa de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro (2010); o Tombamento do edifício Docas Dom Pedro II (2015); e a Inscrição da Lista do Patrimônio Mundial do Sítio Arqueológico Cais do Valongo (2016). "A comunidade internacional percebeu algo que talvez o Brasil ainda não tenha percebido. O que nós fizemos foi apresentar de fato para o mundo uma candidatura que toca numa ferida, que mesmo a UNESCO e o conjunto de bens que compõem o Comitê do Patrimônio Mundial ainda não haviam enfrentado. Já haviam enfrentado Auschwitz e o terror da Segunda Guerra Mundial, mas ainda não haviam enfrentado de forma tão contundente a questão da escravidão. Eu diria do ponto de vista daquilo que cabe ao Iphan, além dos documentos já apresentados e como a necessidade da constituição de um comitê gestor ou de um plano de gestão, é definir claramente como nós vamos implantar o Plano de Promoção do Patrimônio Arqueológico, que foi encaminhado igualmente e juntamente com o dossiê firmado pelas autoridades", disse Andrey Schlee.

A secretária municipal de Cultura, Nilcemar Nogueira, iniciou a sua fala questionando "Onde está a nossa história?", se referindo ao povo negro, para falar sobre o simbolismo do Cais do Valongo."Quando a gente visita esse passado, o que vemos é a não-voz do povo negro. O que a gente visita é sempre uma memória que tem que estar soterrada e sendo essa narrativa feita por outros, sem o direito de questionamento", ressaltou Nilcemar, que ainda complementou sobre o que representa o título de Patrimônio Cultural da Humanidade: "A secretaria municipal de cultura e a prefeitura do Rio de Janeiro assumiram junto a sociedade brasileira e a comunidade internacional alguns compromissos se fazem necessário conhecer o que representa para a nossa sociedade esse sítio arqueológico. O que representa erguer um memorial não só para falar sobre as entradas de negros escravizados, mas sobretudo da permanência na nossa sociedade da desigualdade social".

Moderada pelo procurador da República Jaime Mitropoulos, a mesa seguinte teve como temática "Histórico da candidatura e recomendações da Unesco" e contou com a participação do Doutor em Antropologia e consultor da candidatura, Milton Guran; do arquiteto e ex-presidente do IRPH, Washington Fajardo; e do Diretor do Departamento de Articulação e Fomento do Iphan, Marcelo Brito. O procurador da República Jaime Mitropoulos afirmou que estamos vivendo a Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024), declarada pela ONU. "Quero ressaltar a importância do Cais do Valongo, afinal todo cidadão tem o direito de saber de onde vem e como chegou até aqui. Trata-se, enfim, de resgatar parte da própria identidade de milhões de afrodescendentes que formaram e formam a nossa sociedade. Aliás, é correto afirmar que o efetivo resgate e a efetiva preservação dessa memória não são assuntos que interessam apenas e tão somente ao povo do Rio de Janeiro e ao Brasil. São temas da mais alta relevância para toda a humanidade. É portanto necessário debater o que os entes federativos, juntamente com a sociedade organizada, estão planejando fazer em relação a esse patrimônio. É preciso, hoje, cobrar articulação e entendimento entre os mais diferentes níveis governamentais, pois a efetiva tomada de previdências, é sim questão de reconhecimento de justiça e fortalecimento de democracia em face de qualquer tentativa de silenciamento e inviabilização ou esvaziamento", ressaltou Jaime Mitropoulos.

O doutor em Antropologia e consultor da candidatura, Milton Guran, iniciou a segunda mesa falando sobre o valor simbólico do Cais do Valongo e a importância de se pensar nas próximas etapas. "Com a titulação efetivada, começa uma nova etapa: a de conseguirmos que o Valongo tenha as condições necessárias para cumprir suas funções de patrimônio mundial", disse Milton Guran, que também foi o representante brasileiro do comitê científico internacional do projeto Rotas da Escravidão, da UNESCO. "As tarefas que temos daqui para frente podem ser organizadas de maneira simplista, apenas como raciocínio, em dois eixos principais de trabalho. Primeiro, colocar o Brasil em posição de protagonismo de primeira grandeza nos debates sobre a diáspora africana no plano internacional dessa década internacional de afrodescendentes e fazer o mesmo com o Rio de Janeiro em relação ao país. O segundo ponto é incentivar o turismo de memória, nicho de maior potencial dentro do turismo cultural, segmento que mais cresce na indústria do turismo no mundo. Lembrando que o incremento do turismo na região do Valongo vai contribuir certamente para mitigar os efeitos da gentrificação exacerbada que certamente será gerada pelo Porto Maravilha", afirmou o antropólogo.

Na sequência, o arquiteto e ex-presidente do IRPH Washington Fajardo contextualizou a arquitetura e urbanização da região do Porto Maravilha, onde o Cais do Valongo está inserido. "Os centros históricos têm respostas para as questões brasileiras. Nesses centros históricos esvaziados estão contidas as belezas da civilização brasileira e nós, por ventura, já poderíamos ter descoberto o Valongo antes e já poderíamos ter avançado nisso. À medida que urbanisticamente nós estamos distantes dessa região central, ainda temos uma relação com o patrimônio que, muitas vezes, é monumental e deixa de ser uma dimensão amorosa e mais próxima", afirmou Washington Fajardo.

O diretor do Departamento de Articulação e Fomento do Iphan, Marcelo Brito, encerrou a segunda mesa falando que cabe a nós fazermos a reflexão "Para que serve e que sentido tem o título de Patrimônio Cultural da Humanidade?". Na ocasião, Brito afirmou que o Cais do Valongo atende ao sexto critério dos 10 estabelecidos no Guia Operacional para a Implementação da Convenção do Patrimônio Mundial: "Estar diretamente ou materialmente associado a acontecimentos e tradições vivas, ideias ou crenças, obras artísticas e literárias de significação universal excepcional". "É importante dizer que temos coisas a responder e a atender no âmbito do próprio processo da candidatura do Cais do Valongo. Trata-se, justamente, da apresentação do Plano de Promoção Arqueológica do Sítio do Cais do Valongo, que estabelece quatro grandes ações a serem realizadas. Não são trinta, são quatro. Temos que trabalhar as nossas capacidades institucionais, a nossa relação com a sociedade, para que tenhamos a competência de exercê-la e implementá-la da melhor forma possível", ressaltou Marcelo Brito.

Comitê de Gestão

Na parte da tarde, a mesa composta pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, Iphan, e Secretaria Municipal de Cultura debateram o papel da Prefeitura e da União na definição do projeto museológico e na gestão do patrimônio: propostas, metodologia, financiamento e parcerias. O representante do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, Augusto de Freitas, considerou três dimensões para a gestão do sítio arqueológico: arqueológica, urbanística e sociocultural. Já a secretária municipal de Cultura, Nilcemar Nogueira, falou da importância em se ter um projeto compartilhado para uma construção coletiva e, assim, levar a um sentimento de pertencimento.

Representando o Iphan, Mônica da Costa e Marcelo Brito, explicaram que em novembro será anunciado, junto à diplomação do Cais do Valongo como patrimônio da humanidade pela Unesco, a formação do Comitê Gestor do bem, bem como as diretrizes de trabalho, as quais devem seguir quatro eixos básicos: 1) prosseguimento da pesquisa arqueológica, previsto para 2018; 2) tratamento paisagístico e de sinalização do entorno do sítio arqueológico, 2018; 3) projeto educativo, 2019; e 4) Centro de Referência da Celebração da Herança Africana (prédio Docas Pedro II), 2019.

A Prefeitura anunciou ainda que no dia 21 de setembro, a partir das 10 horas, divulgará o resultado preliminar do Grupo de Trabalho criado para apresentar estudos sobre a gestão do Cais do Valongo e o projeto museológico do bem.

Na última mesa, o debate foi aberto para a sociedade civil, com o discurso de representantes das entidades Comdedine, Cedicun, Instituto Pretos Novos, Centro Cultural Pequena África, Organização Cultural Remanescentes de Tia Ciata, Afoxé Filhos de Gandhi, Negro de Ogum, SOS Patrimônio, além da Ação da Cidadania.

Todo o conteúdo da audiência pública foi gravado e passa a fazer parte da instrução do inquérito civil público em tramitação sobre o assunto no MPF.

TAC com prefeitura - Em dezembro de 2016, o MPF e o Iphan assinaram com a prefeitura municipal do Rio de Janeiro um termo de ajustamento de conduta (TAC) visando garantir a gestão e guarda definitiva do material arqueológico achado durante as escavações das áreas próximas ao Cais do Valongo, na Gamboa, centro da capital fluminense. O TAC garantiu não apenas a adequada conservação do valiosíssimo material arqueológico escavado, como o acesso de pesquisadores e do público em geral à história da cidade e do país, registrada em pedaços de cerâmica, moedas e objetos rituais.

Desde 2012, o MPF acompanha a adequada destinação do material arqueológico escavado durante as obras do projeto revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Graças à atuação do MPF, o material foi adequadamente recolhido e levado para um antigo galpão de estocagem de café, onde funcionou, no século 19, a Estação Marítima da Gamboa. O galpão tem área aproximada de 3500 m² e será reformado pela prefeitura para sediar o primeiro Laboratório Aberto de Arqueologia Urbana do Estado do Rio de Janeiro. O material bruto, que se encontrava acondicionado em sacos plásticos e em montes de terra, foi peneirado, limpo, selecionado e catalogado por técnicos do Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB), contratados pela prefeitura. O número total de peças catalogadas pelo IAB supera 1.465.000. Dentre as peças encontradas estão cerâmicas de contato indígena-europeia, do século 16 e 17, amuletos em osso da tradição banto, colares, anéis, pulseiras em piaçava, jogos de búzios e outras peças usadas em rituais religiosos e confeccionadas pelos negros.

Principal porto de entrada de africanos escravizados no Brasil e nas Américas, o Cais do Valongo passou a integrar o circuito histórico e arqueológico da celebração da herança africana, que estabelece marcos da cultura afrobrasileira na região portuária, ao lado do Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Pedra do Sal, Centro Cultural José Bonifácio e Cemitério dos Novos Pretos. Por sua magnitude, o Cais do Valongo pode ser considerado o lugar mais importante de memória da diáspora africana fora da África. Segundo estimativas, entre 500 mil e um milhão de negros chegaram ao continente desembarcando neste Cais. Desde sua construção, em 1811, ele sofreu sucessivas transformações até ser aterrado em 1911. O local foi revelado, em 2011, durante escavações das obras do Porto Maravilha, e se tornou o maior vestígio material das raízes africanas nas Américas.

 

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