Entidades pedem atuação do MPF por omissão do Estado brasileiro no caso Favela Nova Brasília e apontam descumprimento da ADPF 635
Participantes propõem ações para evitar repetição de casos como a chacina na Favela Nova Brasília e nova condenação internacional do Brasil
Fotos: Joanatha Moreira/Comunicação/MPF
No dia 24 de maio, enquanto eram realizadas operações policiais nas comunidades do Complexo do Alemão e do Complexo da Penha, o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) no Rio de Janeiro, estava promovendo reunião pública com o intuito de debater justamente a segurança pública e a violência policial, tendo em vista as orientações decorrentes da condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 (ADPF 635 ou ADPF das favelas).
O encontro foi marcado por depoimentos muito emocionados, falas revoltadas, mas especialmente muitas sugestões de atuação. Foram discutidas formas de garantir a não repetição do Caso Favela Nova Brasília, como estabelecido pela Corte IDH em julgamento que condenou o Brasil, assim como os impactos dos reiterados descumprimentos por parte do Estado do Rio de Janeiro das decisões do STF no âmbito da ADPF das Favelas.
A reunião pública foi uma iniciativa da PRDC do Rio de Janeiro, que instaurou procedimento administrativo para acompanhar a questão, atendendo ao Fórum Popular de Segurança Pública do Rio de Janeiro (FPOPSEG). O evento proporcionou espaço de reflexão e encaminhamentos sobre a política de segurança pública do Estado, assim como a necessidade de elaboração de um plano de combate à letalidade policial que seja realmente efetivo.
O evento foi coordenado pelos procuradores regionais dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro Jaime Mitropoulos, Julio Araujo e Aline Caixeta, com participação do procurador federal do Direitos do Cidadão (PFDC), Carlos Alberto Vilhena, e do conselheiro Antônio Edílio de Souza, pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Remotamente, o procurador regional da República Paulo Leivas representou o Grupo de Trabalho Racismo na Atividade Policial, da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do MPF (7CCR).
Além dos representantes do MPF e do CNMP, também participaram da reunião representantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Ministério da Igualdade Racial, do Ministério dos Direitos Humanos, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, da Anistia Internacional Brasil e da Fiocruz, além de estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense.
Entre os movimentos e representantes da sociedade civil que participaram estavam: Justiça Global, Mães de Manguinhos, Rede de Comunidades e Movimento Contra a Violência, Redes da Maré, Instituto de Estudos da Religião, Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, Mobilização da Organização da Casa Fluminense, Centro pela Justiça e o Direito Internacional, Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Observatório de Favelas, Coletivo Papo Reto e Frente Estadual pelo Desencarceramento.
Os representantes da PRDC enfatizaram a importância do encontro para atuação do MPF. "A partir de todas as contribuições apresentadas aqui, pretendemos atuar dentro de nossas atribuições a fim de garantir que essas iniciativas não fiquem apenas no campo das intenções. Inclusive, cobrando a implantação das medidas anunciadas pelos ministérios do governo federal em suas intervenções. Também vamos buscar soluções para os impactos diretos que as operações policiais causam nas escolas e no atendimento médico, além de cobrar esclarecimentos sobre essas e outras situações”, afirmou Julio Araujo.
O procurador da República Jaime Mitropoulos destacou o papel de relevo que o Sistema PFDC tem para atuar na temática visando a garantia do direito à segurança pública, inclusive como forma de assegurar o acesso a outros direitos sociais. Ele ressaltou que a política nacional de segurança pública e defesa social, estabelecida pela Lei 13.665/2018, assegura a participação plural e efetiva da sociedade civil nas tomadas de decisão na construção dessas políticas. “Precisamos da participação de todos para que possamos vislumbrar novas perspectivas e um horizonte melhor. Acredito que o MPF possa contribuir para catalisar e fomentar a reflexão e o diálogo no caminho de uma segurança pública mais humanizada”. Na mesma linha a procuradora da República Aline Caixeta destacou o papel de órgão articulador da PRDC na defesa das temáticas da cidadanias, reunindo os diversos atores envolvidos no tema, e ressaltou “a importância de garantir a participação social no desenho da política pública para a redução da letalidade na segurança pública”.
O procurador federal do Direitos do Cidadão (PFDC), Carlos Alberto Vilhena, demonstrou a preocupação da instituição com a letalidade policial. “A violação dos direitos humanos é evidente, como exemplificado pela chacina na Favela Nova Brasília e no Jacarezinho, sem responsabilização dos agentes públicos envolvidos. A alta letalidade policial, com grande impacto sobre negros, evidencia a necessidade de políticas efetivas para reduzir a violência e garantir os direitos de todos os cidadãos, por meio da fiscalização policial, responsabilização dos envolvidos, melhoria na apuração de responsabilidades, coleta de dados confiáveis e valorização da vida e da integridade física dos cidadãos”.
O conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Antônio Edílio Magalhães Teixeira falou sobre a Recomendação 96/2023, que trata da aplicação pelos membros do Ministério Público dos tratados internacionais de direitos humanos e da observância das sentenças da Corte Interamericana (CIDH). Citou o concurso de monografia do CNMP sobre a temática e a iniciativa de se criar a residência em direitos humanos junto à Corte. Antônio Edílio também destacou a criação de um comitê que tem entre as atribuições acompanhar e monitorar o cumprimento das decisões da CIDH, encaminhar aos órgãos competentes do MP as decisões da Corte envolvendo o Estado brasileiro. “É um passo importante para se tornar concreto o cumprimento das decisões da CIDH”. Ele ressaltou também o papel do grupo de trabalho que o conselho instituiu para propor uma resolução para disciplinar as investigações do Ministério Público nos casos de mortes, torturas e violências sexuais no contexto de intervenções policiais. Os participantes da audiência cobraram a participação da sociedade civil na discussão em torno do texto.
O procurador da República e integrante do GT Racismo na Atividade Policial, da Câmara de Controle da Atividade Policial e Sistema Prisional do MPF (7CCR) Paulo Leivas destacou a atuação do GT e divulgou dados que considera preocupantes sobre pesquisa realizada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes com policiais que atuam na Região Metropolitana de Porto Alegre. A intenção era saber quais as características suspeitas para gerar uma abordagem policial. “Ser negro foi a resposta mais lembrada pelos policiais. Em segundo, ter tatuagem e, em terceiro, ser jovem. O que motiva a abordagem policial não é a suspeita sobre o fato de a pessoa estar cometendo crime, mas características físicas, raciais. Certamente, se essa pesquisa for realizada em outros locais do Brasil, teremos resultados semelhantes, o que demonstra a necessidade do enfrentamento do racismo na atividade policial”.
Condenação internacional – No Caso Favela Nova Brasília, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro pela violação do direito à vida e à integridade pessoal das vítimas – 26 homens vítimas de homicídio e 3 mulheres vítimas de violência sexual – durante operações policiais realizadas na Favela Nova Brasília, Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em duas incursões ocorridas nos dias 18 de outubro de 1994 e em 8 de maio de 1995. A demora na investigação e punição dos responsáveis foi um dos pontos destacados na condenação.
Além das indenizações, a Corte determinou a realização de efetiva investigação, tratamento psicológico às vítimas e adoção de medidas de reparação simbólica, como a instalação de placas na favela para expressar a memória do ocorrido e informar a população sobre o resultado do processo na Corte, assim como a realização de um ato de reconhecimento de responsabilidade internacional. Outras medidas incluem a divulgação de relatórios anuais com dados sobre o número de policiais e civis mortos durante operações e ações policiais, além da extinção dos chamados "autos de resistência".
ADPF das Favelas – A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, também conhecida como ADPF das Favelas, foi proposta em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) com o objetivo de coibir a violência policial no Rio de Janeiro.
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