Para PGR, decisão que responsabilizou Pernambucanas por exploração de trabalho escravo na cadeia produtiva deve ser mantida
Empresa deixou de fiscalizar contratações irregulares efetuadas por indústria em sua cadeia produtiva, sendo responsável pela submissão de trabalhadores à condição análoga à de escravo
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
O procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que seja mantida a condenação imposta pela Justiça Trabalhista às Casas Pernambucanas, por responsabilidade na exploração de trabalhadores flagrados em condições análogas a de escravidão na cadeia produtiva da empresa. O flagrante ocorreu em 2010, durante fiscalização realizada por auditores fiscais do trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em local onde funcionava uma oficina de costura vinculada à Dorbyn, fábrica responsável por confeccionar peças de vestuários para marca de roupa exclusiva das Casas Pernambucanas.
No recurso, o PGR requer a reforma da decisão do relator da Reclamação nº 60.454/SP, ministro Luís Roberto Barroso, que cassou decisões proferidas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2). A Justiça trabalhista entendeu que o chamado contrato de facção - firmado entre as Casas Pernambucanas e a Dorbyn para fornecimento de produtos - era irregular, pois buscava mascarar o vínculo de emprego dos trabalhadores com a varejista. Além disso, considerou que a Pernambucanas deixou de fiscalizar todas as etapas de confecção do seu produto, a ponto de tolerar a submissão de trabalhadores à condição de escravizados na cadeia produtiva.
O ministro relator cassou as decisões do TRT2 por entender que elas contrariavam decisões anteriores do STF, que declararam a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim e permitiram a celebração de contratos de parceria para a prestação de serviços com profissionais de salão de beleza e de transporte de carga rodoviária. No entanto, para Augusto Aras, não há identidade fática entre o caso em análise e os precedentes citados na reclamação constitucional.
Segundo o procurador-geral, os processos em trâmite na Justiça do Trabalho não tratam de irregularidades na terceirização da atividade finalística da varejista de moda, nem de reconhecimento de vínculo empregatício. As decisões foram baseadas na comprovação de ilicitudes nos contratos de fornecimento de produtos firmados com a Dorbyn e na responsabilidade das Casas Pernambucanas em fiscalizar todas as etapas da confecção do seu produto.
Aras sustenta que a reclamação constitucional só pode ser utilizada para apontar descumprimento de decisões do STF que tenham discutido tese idêntica à tratada na decisão questionada, o que não ocorreu no caso concreto. Além disso, qualquer entendimento contrário ao firmado pela Justiça do Trabalho, segundo ele, ensejaria a reanálise de fatos e provas, diversas da documental, o que tampouco é possível na via da reclamação constitucional.
Entenda o caso – A Pernambucanas foi condenada em ação civil pública ajuizada pelo MPT ao pagamento de indenização por danos morais coletivos e ao cumprimento de diversas obrigações de modo a prevenir a repetição dos ilícitos em sua cadeia produtiva. Na decisão, a Justiça Trabalhista entendeu que a empresa deixou de fiscalizar a linha de produção, permitindo que a empresa Dorbyn - com a qual possuía um contrato de fornecimento de produtos - subcontratasse trabalhadores em situações degradantes. Os profissionais eram submetidos a jornadas abusivas, baixa remuneração, servidão por dívida, e a condições de higiene e segurança precárias.
Em outra ação, o TRT2 manteve a validade dos autos de infração lavrados pela Auditoria Fiscal do Trabalho, bem como das multas aplicadas às Casas Pernambucanas. A Corte considerou que o contrato de facção entre a rede de lojas e a Dorbyn era irregular, pois não consistia em mero fornecimento de mercadorias para serem vendidas na varejista. Conforme consta na decisão, ficou comprovado que a Pernambucanas era responsável pela criação e pela definição de todas as características das peças de vestuário comercializadas. Além disso, constatou-se que os trabalhadores flagrados na condição de escravos eram na verdade a ela vinculados, com relação de pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação direta.
Provas colhidas no curso do processo também demonstraram que a Dorbyn não tinha capacidade produtiva para fornecer os produtos à varejista, nem possuía controle e gestão sobre a produção. A própria empresa reconheceu essa relação de dependência, ao declarar que 95% da sua capacidade econômica era proveniente do contrato com a Pernambucanas. Para o PGR, essa prática reforça a existência de distinção entre a discussão do processo e os paradigmas apontados na reclamação.
Trabalho escravo – No recurso, Aras ainda chama atenção acerca da relevância e da atualidade do tema no Brasil. Entre 1995 e 2022, mais de 60 mil trabalhadores foram encontrados em situação de trabalho análogo à escravidão no Brasil, segundo dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas. Apenas no último ano, mais de 2.500 trabalhadores em situação análoga à escravidão foram resgatados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Outro dado estatístico aponta que contratos de facção e outras formas de intermediações fraudulentas de mão de obra para burlar vínculos de emprego estão presentes em grande parte dos casos de trabalho escravo verificados no Brasil. À luz dos dados expostos, relembra o compromisso social de fortalecimento das práticas de enfrentamento à escravidão contemporânea.
Íntegra do Agravo Interno na Reclamação nº 60.454/SP