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São Paulo

Criminal
2 de Fevereiro de 2021 às 13h5

Crimes da ditadura: MPF pede condenação de delegado que sequestrou ex-oficial da Marinha em 1971

Carlos Alberto Augusto foi um dos responsáveis pelo desaparecimento de Edgar de Aquino Duarte; ação penal está na fase conclusiva em primeira instância

#PraCegoVer: Foto de época mostra homem pixando a frase "Abaixo a Ditadura" em um muro

Foto: Kaoru/CPDoc

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou as alegações finais reforçando o pedido de condenação do delegado Carlos Alberto Augusto pelo sequestro do ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, desaparecido desde 1971. As alegações finais são a última etapa processual antes do proferimento da sentença. Se a 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo acolher os argumentos do MPF, esta poderá ser a primeira vez que um ex-agente da ditadura militar é condenado no Brasil pela perseguição política no período.

Augusto, à época também conhecido como “Carlinhos Metralha”, é apenas um dos envolvidos no desaparecimento de Edgar de Aquino Duarte. Até 2015, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI-Codi) em São Paulo, também respondia pelo crime, mas deixou de figurar como réu na ação após seu falecimento.

O mesmo ocorreu com o ex-delegado Alcides Singillo, que morreu em 2019 e, por isso, foi excluído do rol de acusados. O caso teve ainda a participação de outras pessoas que, em 2012, quando o MPF ofereceu a denúncia, permaneciam não identificadas ou também já haviam falecido, entre elas o ex-delegado Sérgio Paranhos Fleury.

A ação à qual Carlos Alberto Augusto responde é um dos poucos casos que tiveram andamento na Justiça envolvendo ex-agentes da ditadura. Das 48 denúncias oferecidas pelo MPF nos últimos anos contra integrantes de órgãos da repressão, apenas três resultaram na instauração de ações penais. As demais foram rejeitadas, em desrespeito a normas e decisões internacionais que obrigam o Brasil a investigar e punir quem tenha atuado no extermínio de militantes políticos entre 1964 e 1985.

Sequestro – Duarte foi preso no dia 13 de junho de 1971, sem qualquer ordem judicial que embasasse a ação. Na época, trabalhava como corretor da Bolsa de Valores de São Paulo e já não tinha nenhum vínculo com grupos de oposição à ditadura. Expulso da Marinha em 1964 em decorrência do Ato Institucional nº 1, ele havia deixado a militância política desde que retornara do exílio, em 1968.

Ainda assim, o ex-fuzileiro naval entrou no radar das autoridades após ter seu nome citado no depoimento de José Anselmo dos Santos. Preso dias antes de Duarte, o Cabo Anselmo hospedava-se no apartamento do ex-colega de Marinha e viria a se tornar um agente infiltrado dos órgãos de repressão, sob supervisão de Carlos Alberto Augusto. Duarte poderia ser uma ameaça à atuação clandestina do colaborador caso o reencontrasse, desconfiasse das circunstâncias de sua soltura e revelasse a outras pessoas a suspeita sobre a parceria entre Anselmo e os militares.

Augusto participou diretamente da ação que resultou na prisão de Duarte e sua condução ao DOI-Codi. A detenção foi mantida sem comunicação judicial pelos dois anos seguintes. Neste período, a vítima foi sucessivamente transferida entre a unidade comandada por Ustra e o Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP), onde Augusto e Singillo integravam a equipe de Fleury. Duarte foi visto por testemunhas pela última vez em junho de 1973.

Crime contra a humanidade – Sem provas ou registro de seu óbito nem informações sobre seu paradeiro, o ex-oficial da Marinha permanece formalmente sequestrado até hoje. O MPF destaca que o desaparecimento de Duarte enquadra-se na categoria de crimes contra a humanidade, uma vez que ocorreu no contexto do ataque sistemático e generalizado que o Estado empreendeu contra a população brasileira durante a ditadura militar.

O MPF ressalta também que não cabe anistia aos autores do delito. O Brasil já foi condenado duas vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por deixar de investigar e punir os agentes envolvidos em crimes políticos cometidos no período. O país está voluntariamente vinculado à jurisdição da corte e é obrigado a cumprir as sentenças, segundo as quais a Lei da Anistia (Lei nº 6.683/79) não pode ser pretexto para a impunidade dos criminosos.

Nem mesmo o reconhecimento da constitucionalidade dessa lei pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, pode ser evocado para se impedir o julgamento dos agentes da repressão. O acórdão de 2010 do STF restringiu-se a ratificar a conformidade da Lei da Anistia com a Constituição, sem avaliar se o texto é compatível ou não com tratados internacionais dos quais derivam obrigações assumidas pelo Brasil, como o acatamento de decisões da CIDH.

As sentenças do colegiado interamericano lembram ainda que crimes cometidos no contexto de perseguição política são imprescritíveis, reforçando as normas internacionais que o Brasil tem igualmente o dever de respeitar. Além disso, frisa o MPF, mesmo que coubesse prescrição no caso de Duarte, a contagem do prazo sequer teria começado e só passaria a ser contado a partir do momento em que o crime de sequestro se encerrasse, com a descoberta do paradeiro da vítima.

Pedidos – O MPF quer que Carlos Alberto Augusto seja condenado por sequestro qualificado, considerando-se o longo período em que Duarte está desaparecido, sua incomunicabilidade e as agressões físicas e psicológicas a que foi submetido. O Ministério Público pede ainda que a conduta social e a personalidade do réu sejam levadas em conta para o aumento das penas previstas no artigo 148 do Código Penal.

“Possuindo ao seu lado todo o aparato estatal, e fazendo mau uso dessa estrutura que deveria ser voltada à defesa dos cidadãos, o acusado agiu como se estivesse acima da lei, da sociedade e da vida humana, motivo pelo qual o aumento da pena em virtude da ação delitiva se faz necessário. Fazendo parte de um grupo de sádicos predadores, a aplicação da lei não pode ser branda”, afirmou o procurador da República Andrey Borges de Mendonça, autor da manifestação do MPF, ao pedir que a pena seja fixada em patamar próximo ao máximo permitido em lei.

“Não se pode perder de vista que o acusado, conforme demostrado em seu interrogatório em Juízo, expressou ter como 'ídolos' o delegado Sérgio Fleury e o comandante Carlos Alberto Brilhante Ustra, figuras notoriamente conhecidas do triste episódio da história do nosso país por terem feito do sequestro, da tortura e do homicídio de dissidentes políticos atos normais da rotina dos órgãos que deveriam, em tese, proteger a população”, acrescentou.

O MPF quer que, acolhido o pedido de condenação, a pena seja cumprida pelo réu em regime fechado, sem a concessão de nenhum benefício, considerando-se a gravidade do crime. Além da prisão, o Ministério Público pede que Augusto seja punido com a perda do cargo de delegado.

O número da ação é 0011580-69.2012.4.03.6181. A tramitação pode ser consultada aqui.

Leia a íntegra das alegações finais do MPF



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