Raposa Serra do Sol
O longo processo de demarcação e regularização de terras da região norte do estado de Roraima, conhecida como Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ganhou grande repercussão nacional e internacional. A atuação merece destaque por mostrar o trabalho integrado de diversas esferas do MPF no Brasil.
Apesar de desde o início do século XX já haver destinação daquela porção de terra a indígenas, apenas na década de 1970 começaram os primeiros esforços de demarcação pela Fundação Nacional do Índio (Funai) que seguiram por duas décadas.
O Grupo de Trabalho instituído pela Portaria nº 550/P, de 21 de outubro de 1977, identificou na época mais de 60 comunidades tradicionais, com aproximadamente 10 mil indígenas, bem como a existência de várias posses de não índios. Foram também traçados limites da terra indígena que delimitaram uma região de 1.332.110 hectares no norte e nordeste do estado, ocupada por indígenas das etnias Macuxi, Ingariko, Taurepang e Wapixana.
Mesmo com a identificação, o governo federal não deu continuidade nos procedimentos de demarcação, que só seriam retomados no início da década de 1990. Em 1992, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) criou um grupo interministerial para realizar novo levantamento fundiário da área Raposa/Serra do Sol. Os técnicos determinaram então um novo desenho para a TI, que totaliza 1.678.800 hectares, parecer que foi aprovado e publicado no Diário Oficial da União em 21 de maio de 1993.
Contestação de área
Em 1996, o ministro da Justiça expediu um despacho ministerial que propôs a redução da reserva já identificada pela Funai em cerca de 300 mil hectares. Ele sugeria a exclusão de áreas de domínio público e estradas, além de cidades já consolidadas, negando recursos que haviam sido feitos pelos governos de Roraima e do município de Normandia.
Em julho de 1998, o Ministério Público Federal em Roraima reagiu a essa decisão do ministro e protocolou uma Ação Civil Pública contra a redução da área. A ação foi assinada pelos procuradores Osório Silva Barbosa Sobrinho e Ageu Florêncio da Cunha. Como efeito, em 11 de dezembro de 1998, foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria 820/98 declarando a posse permanente dos povos indígenas sobre a região de 1.678.000 hectares na fronteira entre o Brasil, Venezuela e Guiana, de acordo com o pedido do MPF.
Mas, quatro meses depois, a fundação ainda não havia começado a demarcação física da área. Esse era um dos passos necessários para que a reserva fosse homologada pelo presidente da República. Por causa da demora, o Ministério Público em Roraima voltou a acionar o governo federal pedindo que a demarcação ocorresse o quanto antes, arguindo que a demora causava transtorno e insegurança para os indígenas. Além disso, os procuradores da República protocolaram ações pedindo que a Polícia Federal garantisse a segurança nas relações entre os ocupantes da região.
A peça ressaltou que a demora contribuía para acirrar os conflitos já existentes na área entre os povos tradicionais e os não-indígenas. Os embates ocorriam principalmente com produtores rurais, que argumentavam que haviam adquirido a terra e que haveria perdas econômicas irreparáveis para o estado. Ao mesmo tempo que o MPF lutava para garantir a demarcação, a partir de 1999, fazendeiros entraram com diversas ações na Justiça Federal pedindo a suspensão do procedimento e anular o reconhecimento da área.
Em 2001, três novas ações civis públicas impetradas pelo MPF em Roraima tentavam garantir a integridade da terra indígena. Uma delas, contra a União e a Funai, pedia que a União apressasse os trâmites para homologação da área, justificando que a demora dificultava o controle contra invasores e aumentava conflitos. Em outra ação, contra o governo de Roraima, buscava evitar que fossem feitos empreendimentos na TI, que poderiam gerar danos aos indígenas. E numa terceira, pedia a retirada de fazendeiros invasores.
Paralisação
Em 2004, o juiz federal Helder Girão concedeu liminar suspendendo remoção dos fazendeiros. O Ministério Público Federal recorreu da decisão ao Tribunal Regional Federal – que manteve a suspensão. O Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República em Roraima, da Procuradoria Regional da República (1ª Região) e da Procuradoria-Geral da República, tentou reverter a decisão junto ao Tribunal Regional Federal, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, mas não houve sucesso.
A homologação da reserva ocorreu em 2005, por meio de um decreto presidencial, com algumas mudanças à demarcação original. A portaria deu prazo de um ano para os não-indígenas deixarem o local. No entanto, logo após a edição deste documento e do decreto presidencial que o homologou, começaram a tramitar diversas ações na Justiça, contestando a demarcação. Fazendeiros, políticos e o Governo de Roraima entraram com ações em todas as esferas da Justiça, questionando a homologação.
O STF manteve a demarcação e reiterou a necessidade de saída dos não-indígenas da área. Para que a medida fosse respeitada, o governo federal determinou ação policial para a retirada dos fazendeiros. Em ação ao Supremo Tribunal Federal, o governo de Roraima pediu a suspensão da retirada. Diante do conflito, Supremo acabou decidindo pela paralisação da operação da Polícia Federal até que fosse julgado o mérito das 30 ações que contestam a legalidade da reserva.
O embate jurídico teve fim em março de 2009, quando a Corte considerou válidos a portaria e o decreto presidencial que homologaram a demarcação da reserva, e listou uma série de condições para a execução da decisão, que seria supervisionada pelo Supremo com apoio do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Documentos
Ação Civil Pública contra União e Funai em 1998
Ação Civil Pública contra União em 1999