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Rio de Janeiro

Patrimônio Cultural
14 de Outubro de 2021 às 18h15

Justiça Federal determina que Iphan reinstale comitê e elabore plano de gestão do Cais do Valongo

Mais importante vestígio do tráfico de escravizados nas Américas pode perder título de patrimônio mundial

Detalhe do calçamento de pedra que constituía o Cais do Valongo, com obelisco ao fundo

Cais do Valongo (Foto: MPF)

A 20ª Vara Federal do Rio de Janeiro determinou que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a União garantam, em até 30 dias, o funcionamento regular do Comitê Gestor do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo, bem integrante do patrimônio mundial da Unesco localizado na zona portuária do Rio de Janeiro. Composto por representantes de organizações afrobrasileiras da área e pelos órgãos e instituições envolvidos na conservação do sítio, o comitê é responsável por dirigir e planejar a gestão e valorização do Cais do Valongo.

Em sua decisão, o juiz federal Paulo André Espirito Santo Bonfadini também determinou que o Iphan e a União, sob pena de multa diária: apresentem em juízo, em até 60 dias, cronograma de trabalho contendo a previsão, mês a mês, das medidas a serem adotadas para dar cumprimento às demais obrigações contraídas junto à Unesco em 2017, por ocasião da inclusão do Cais do Valongo na lista do patrimônio mundial.

Também devem apresentar, em juízo, em até 180 dias, o Plano de Gestão exigido pela Convenção do Patrimônio Mundial e pela decisão do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, a ser elaborado e aprovado pelo Comitê Gestor do Sítio Arqueológico, em conformidade com o “Manual de Referência do Patrimônio Mundial”. Os réus deverão apresentar, ainda, relatórios anuais contendo os resultados obtidos no período em relação às ações previstas no Plano de Gestão.

A decisão judicial foi concedida após mais de três horas de audiência de tentativa de conciliação, na ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU). Criado em 2018, o comitê reuniu-se apenas duas vezes e foi extinto pelo Decreto Presidencial n. 9.759/2019. O funcionamento do Comitê Gestor do Valongo é uma exigência da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para que o sítio arqueológico mantenha o título de patrimônio mundial, concedido em 2017.

A decisão judicial salienta que a participação social na gestão do Sítio Arqueológico Cais do Valongo, além de pactuada pela União no âmbito das relações internacionais, decorre de mandamento constitucional, devendo, assim, ser cumprida pelas rés. “Ademais, a Lei de Acesso às Informações Públicas (Lei n. 12.527/2011) dispõe expressamente acerca da obrigação das autarquias federais de propiciar amplo acesso e divulgação de informações pertinentes ao patrimônio, recursos públicos, licitação e contratos administrativos, garantindo também o acompanhamento de programas, projetos, ações, metas e indicadores propostos, mediante a realização de audiências públicas ou consultas públicas, incentivo à participação popular ou outras formas de divulgação”, ressaltou o magistrado.

“Cumpre também destacar que a União e o Iphan não colacionaram as ações efetivamente já realizadas relativas à participação social na gestão do Cais do Valongo, restringindo-se a alegar a impossibilidade de restabelecimento do Comitê em virtude do advento do decreto presidencial”. Segundo a decisão judicial, “o perigo na demora também se mostra presente, na medida em que a ausência de instalação do Comitê Gestor implica na impossibilidade de participação da sociedade, em especial dos povos e comunidades diretamente afetadas, nos atos administrativos realizados pelas rés”.

Para os procuradores da República Jaime Mitropoulos e Sergio Suiama, responsáveis pela ação, a decisão judicial representa um precedente fundamental no reconhecimento das obrigações legais do poder público na gestão e planejamento compartilhados e participativos dos bens integrantes do patrimônio cultural material e imaterial brasileiro.

“A garantia de efetiva participação da sociedade civil é decorrência dos preceitos democráticos que devem nortear a gestão do patrimônio cultural. No caso do Cais do Valongo, cuja representatividade possui inestimável importância para a comunidade afro-brasileira, compete ao estado brasileiro assegurar a legítima participação popular. É necessário conscientizar que a titulação do Cais do Valongo tem também natureza de reparação. Portanto é inconcebível que o Poder Público mantenha a comunidade alijada desse processo de construção de uma gestão que precisa ser efetiva e substancialmente democrática”, completou o procurador da república Jaime Mitropoulos

O MPF acompanha as medidas adotadas para a conservação, proteção e valorização do Cais do Valongo desde 2013. Em 2018, foi ajuizada ação civil pública para garantir a ocupação do prédio Docas Pedro II/André Rebouças, localizado na frente do sítio arqueológico. Em dezembro de 2020, o MPF obteve acordo no processo judicial para ocupação do prédio histórico por parte da União. O acordo também prevê a reforma e implantação, no local, do Centro de Interpretação do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo e do laboratório aberto de arqueologia urbana do Rio de Janeiro.

Sobre o Cais do Valongo - Construído em 1811, o Cais do Valongo foi o principal ponto de desembarque e comércio de pessoas negras escravizadas nas Américas. Funcionou até 1831, ano em que foi proibido o tráfico transatlântico de africanos escravizados. Durante este período de vinte anos, entre 500 mil e um milhão de negros escravizados desembarcaram no Valongo. Os vestígios do antigo Cais foram revelados em 2011, durante as escavações arqueológicas desenvolvidas para implementação do projeto Porto Maravilha. Em julho de 2017, a Unesco incluiu o sítio na lista de patrimônio cultural mundial, por reconhecer nele “a mais importante evidência física associada à chegada histórica de africanos escravizados no continente americano”. Segundo a Unesco, “é um sítio de consciência, o qual ilustra fortes e tangíveis associações a um dos mais terríveis crimes da humanidade, a escravidão de centenas de milhares de pessoas, criando a maior migração forçada da História”.

Projeto MPF com a comunidade - O MPF também iniciou, neste ano, o projeto “MPF com a comunidade da Pequena África”, voltado a apoiar o turismo cultural de base comunitária na região da Pequena África, nome cunhado por Heitor dos Prazeres para designar a região do entorno do Cais do Valongo, nos bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo e Cidade Nova. O nome faz referência à ocupação histórica da região por descendentes de africanos, responsáveis pela preservação e promoção da cultura da diáspora na cidade do Rio de Janeiro.

O projeto do MPF busca obter o apoio dos museus e grandes atrações da região ao desenvolvimento de estratégias de valorização do turismo e da produção de bens culturais e turísticos pela comunidade local, inclusive por meio de rotas e passaportes culturais.

Leia aqui a íntegra da decisão judicial.

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