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Procuradoria Regional Eleitoral em São Paulo

17 de Dezembro às 17h30
Por Teofilo Tostes

O crime de violência política contra as mulheres

Ana Laura Bandeira Lins Lunardelli - Promotora de Justiça - Assessora Eleitoral do Ministério Público do Estado de São Paulo | Paula Bajer - Procuradora Regional Eleitoral em São Paulo | Vera Lúcia de Camargo Braga Taberti - Promotora de Justiça - Assessora Eleitoral do Ministério Público do Estado de São Paulo |

Em 04 de agosto de 2021, foi publicada a Lei n. 14.192, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher nos espaços e atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções públicas, e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais e dispõe sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral (art. 1º).

É uma lei que reafirma em seu bojo a proteção dos direitos políticos da mulher, contra violência política, porém, ao estabelecer no art. 2º que: “serão garantidos os direitos de participação política da mulher, vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política e no exercício de funções públicas”, já se vê que ela não está salvaguardando todas as dimensões dos direitos políticos da mulher como o direito de votar em eleições, referendos e plebiscitos, o direito de filiação partidária, de apoiamento à candidaturas, de assessoramento de parlamentares, dentre outros.

Também não protege o exercício de quaisquer funções públicas, mesmo que a violência seja dirigida a servidoras ou juízas da Justiça Eleitoral, servidoras, promotoras e procuradoras do Ministério Público Eleitoral ou mesmo quem, ainda que transitoriamente, esteja à serviço da Justiça Eleitoral, embora possa sofrer violência política.

Lamentavelmente, também, deixou de incluir no tipo penal a prática desse delito “em razão da adoção de preferência sexual”, que é uma das principais causas que desencadeiam a violência política que assola a minoria representada pelo grupo LGBTQI+.

O que a lei garante à mulher é, uma vez escolhida candidata em convenções partidárias, o acesso às instâncias de representação política e, caso eleita pelo voto popular, o seu direito ao exercício ao mandato livre de violência política, nesse sentido a expressão “exercício de funções públicas”.

Essa delimitação que a própria lei faz será muito relevante para compreensão do tipo penal de violência política contra a mulher, criado no art. 326-B, do Código Eleitoral. Buscou-se, salvaguardar as candidatas durante o processo eleitoral e as detentoras de mandatos eletivos para que essas possam exercer regular e livremente seus mandatos, pois, o que se está tutelando é a participação das mulheres na política (ou essa dimensão dos direitos políticos da mulher), não como eleitoras, mas como futuras representantes ou como representantes do povo.

O tipo penal do art. 326-B consiste em o sujeito ativo assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo. As penas cominadas são de um a quatro anos de reclusão e multa. Há causa de aumento de pena em um terço se o crime é praticado contra gestante, maior de sessenta anos ou pessoa com deficiência.

Os núcleos são: assediar (cercar, impor sujeição, inclusive para obtenção de favor sexual. Difere-se do crime de assédio sexual, previsto no art. 216-A em que há constrangimento e relação de hierarquia entre autor e vítima); constranger (causar sofrimento ou embaraço moral ou psicológico mais transitório do que na violência psicológica); humilhar (rebaixar, tornar alguém sem credibilidade, diminuir-lhe o valor, sendo exemplo as interrupções de fala, apropriação de ideias, explicações desnecessárias como se a mulher não entendesse do assunto tratado); perseguir (importunar insistentemente) e ameaçar (intimidação, promessa de mal injusto e grave).

O tipo do art. 326-B absorve os delitos tipificados no Código Penal, com penas inferiores, tais como o constrangimento legal (art.146), ameaça (art.147), perseguição (147-A) e a violência psicológica (art.147-B).

Basta a realização de uma só conduta para caracterizar o crime, se presentes os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal, exigindo a norma que o agente tenha especial fim de agir que é o de impedir ou dificultar a campanha eleitoral da mulher ou o desempenho do seu mandato eletivo. A lei exige também um elemento subjetivo ligado ao ânimo do agente: utilizar-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.

Em 1º/09/2021 foi publicada a Lei n. 14.197, que inclui no Código Penal, no título XII, a figura dos crimes contra o Estado Democrático de Direito. Dentre eles, no capítulo III, no art. 359-P foi criado o crime de Violência Política, cujo tipo penal consiste em: restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. As penas são de reclusão de três a seis anos e multa, além da pena correspondente à violência.

Verifica-se que o tipo aqui é mais amplo do que o crime eleitoral, os direitos políticos foram considerados em todas as suas dimensões e qualquer pessoa que não tenha seus direitos políticos suspensos está abrigada, independentemente do gênero, sofrendo o sujeito passivo violência política em razão de seu sexo, raça, cor etnia, religião ou procedência nacional.

Desse modo, entendemos que ambos os crimes coexistem, por tutelarem objetos jurídicos diversos e serem aplicados em condutas distintas.

O tipo previsto no Código Penal exige o emprego de violência física, sexual, ou psicológica, sendo mais grave do que o tipo previsto no Código Eleitoral.

Isto porque, para a caracterização do crime eleitoral, basta apenas, o assédio, constrangimento, a humilhação, perseguição, ou a ameaça, que impeça ou dificulte a campanha eleitoral ou o exercício do mandato da mulher, praticados nas condições anteriormente mencionadas, sem emprego de violência física, sexual ou psicológica.

Daí porque há uma discrepância em relação às penas aplicadas para cada um dos citados delitos. Por se tratar de um tipo penal, mais grave, as sanções previstas para o crime de violência política do art. 359-P, do Código Penal são mais elevadas.

Os direitos políticos protegidos pelo tipo penal do art. 359-P do Código Penal também são mais amplos do que os tutelados pela norma penal prevista no Código Eleitoral.

Diferentemente do quanto já foi sustentado no meio eleitoral, não há que se cogitar que o crime praticado contra pré-candidato homem seria mais grave do que o praticado contra mulher candidata ou detentora de mandato eletivo, pois se os pré-candidatos ou pré-candidatas e parlamentares sofrerem violência física, sexual ou psicológica, todos igualmente serão sujeitos passivos (vítimas) do mesmo crime previsto no art. 359-P, Código Penal (tal qual o pré-candidato homem, candidato ou detentor de mandato eletivo que vier a sofrer a mesma violência).

Observe-se, ainda, que os sujeitos passivos dos tipos penais, assim como as objetividades jurídicas são distintos, tendo em vista que o homem não é sujeito passivo (vítima) do crime definido no art. 326-B do Código Eleitoral.

Como vimos, apenas as candidatas e parlamentares são sujeitos passivos desse crime em razão de serem muito mais suscetíveis a esse tipo de violência do que o gênero masculino.

Conclui-se assim não existir qualquer incompatibilidade ou conflito entre as referidas normas, que subsistem.

Por tais razões, igualmente, não se pode acatar a tese de que a lei posterior (Lei n. 14.197/21) tenha revogado a lei anterior (Lei n. 14.197/92), uma vez que condutas menos graves não se subsumiriam ao tipo penal previsto no art. 359-P, do Código Penal.

Defendemos que o crime eleitoral traduz-se em uma nova modalidade de política afirmativa, criada pelo legislador no Código Eleitoral, mas inserida na esfera criminal. Sua natureza traz igual objetivo das políticas afirmativas criadas anteriormente, qual seja, diminuir as desigualdades existente entre homens em mulheres no ambiente político, devido aos vários tipos de discriminação e preconceito, que tantos as candidatas, quanto as parlamentares enfrentam, em maior volume durante o período eleitoral e no exercício de seus mandatos.

Almeja-se com tal prática, atrair mais mulheres para a política, cuja representatividade cinge-se hoje a apenas 15% (quinze por cento) dos cargos políticos, apesar de representarem mais de 52% (cinquenta e dois por cento) da população brasileira.

E, tratando-se de política afirmativa, cujo intuito é trazer mais mulheres para a disputa eleitoral e consequentemente para os cargos políticos, coibir a violência política, hoje em ascensão, é uma necessidade que não pode admitir nenhuma interpretação que pretenda excluir a aplicação desse tipo inovador, definido no art. 326-B, do Código Eleitoral, pois ela representaria verdadeiro e inadmissível retrocesso.

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