MPF elabora orientação para facilitar investigação de casos de corrupção associada ao tráfico de pessoas
Documento estabelece diretrizes para identificação e punição de práticas corruptas que favorecem tráfico humano
Foto: Antonio Augusto/Secom/MPF
As Câmaras Criminal (2CCR) e de Combate à Corrupção (5CCR) do Ministério Público Federal (MPF) divulgaram, nesta sexta-feira (26), orientação conjunta para nortear a atuação dos membros em casos de contrabando de migrantes e tráfico de pessoas, em quaisquer de suas modalidades: exploração sexual, laboral, adoção ilegal e tráfico de órgãos. Por meio de ações e estratégias coordenadas, a norma pretende auxiliar os investigadores a identificar a corrupção associada a esses delitos, cuja prática atualmente é subnotificada. As diretrizes foram consolidadas a partir de nota técnica elaborada pelo Grupo de Trabalho Intercameral da 2CCR e 5CCR, com participação da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).
De acordo com o documento, os procuradores que investigam fatos envolvendo crimes de contrabando de migrantes e tráfico de seres humanos devem sempre considerar a possibilidade da participação de agentes públicos, que atuariam em troca de favorecimentos ilícitos por meio de práticas corruptas. A ideia é padronizar e formalizar o trato do MPF com relação às associações entre esses tipos penais.
A orientação também trata do crime conhecido no direito comparado como “sextorsão”. Apesar de não existir um tipo penal específico para o delito, a instrução é para que os procuradores avaliem a possibilidade de enquadrar as condutas de solicitar, exigir, dar, oferecer, receber ou prometer favorecimento sexual como crimes já previstos no Código Penal comum ou militar.
Entre os tipos penais sugeridos na orientação conjunta estão os crimes de peculato eletrônico, concussão, corrupção ativa e passiva, corrupção de testemunha ou delito de extorsão mediante sequestro. Nesses casos, a proposta é considerar o pagamento sexual nas expressões “vantagem indevida” ou “qualquer vantagem”, previstas nesses tipos penais, sem prejuízo dos crimes sexuais ou contra a liberdade sexual eventualmente incidentes.
Por fim, com o objetivo de manter a investigação sob a atribuição da Câmara Criminal (2CCR), a orientação é para que os membros considerem o tráfico de pessoas como crime preponderante nesses casos, ainda que sobrevenha a suspeita do envolvimento de agente público.
Contexto – A orientação chama atenção para o diagnóstico nacional realizado em 2019. A partir de levantamento de casos em acompanhamento pelo MPF com vínculos entre o tráfico de pessoas e a corrupção, constatou-se a inexistência de inquéritos, processos judiciais ou procedimentos extrajudiciais que abarcassem ambas as práticas delitivas. “Evidenciou-se, assim, a incongruência do cenário brasileiro com as tendências criminosas identificadas pelos estudos em nível internacional, a qual constata a inviabilidade do tráfico humano, sem a influência, em algum grau, de corrupção de agentes públicos”, aponta o documento.
A partir disso, em julho de 2020, os Ministérios Públicos Ibero-americanos assinaram declaração conjunta para impulsionar a luta contra a corrupção associada ao tráfico de mulheres e crianças. O tratado reconhece a necessidade de aprimorar os mecanismos de investigação, a partir do mapeamento de dados sobre o tema e a adoção de ferramentas de análise criminal que esclareçam a conexão entre os dois tipos penais. De acordo com as Câmaras Criminal e de Combate à Corrupção, é imprescindível o pioneirismo do Ministério Público Federal brasileiro para regulamentar aspectos desta correlação, principalmente porque a corrupção facilitadora do tráfico de pessoas prejudica o desenvolvimento social e a igualdade de gênero na América Latina, por afetar predominantemente mulheres e meninas.
Íntegra da Orientação Conjunta