Cine-debate dá voz às mães de vítimas da violência estatal
Evento promovido pela 7ª Câmara discutiu o protagonismo das mulheres no enfrentamento à violência e à letalidade policial
Foto: Antonio Augusto Secom/PGR
Maio de 2006 foi o último ano em que Débora Maria da Silva comemorou seu aniversário e o Dia das Mães. Atualmente, aos 59 anos, apenas “completa anos” e usa todos os seus dias para lutar pela memória do seu filho, Edson Rogério Silva dos Santos. A batalha de Débora, fundadora da organização Mães de Maio, é a mesma de Ivanir Mendes dos Santos, da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência (RJ), que também viu seu único filho ser morto pela polícia. As duas participaram de um cine-debate na Procuradoria-Geral da República, nesta segunda-feira (25), e relataram as dores das mães que, apesar de ainda vivas, foram atingidas em cheio pela violência policial.
O debate, promovido pela Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do Ministério Público Federal (7CCR/MPF), contou com a exibição do documentário “Auto de Resistência” e um diálogo sobre o filme com a presença das duas mães, da diretora do documentário, Natasha Neri, e da subprocuradora-geral da República Ela Wiecko, coordenadora do Comitê Gestor de Gênero e Raça do MPF. A atividade integrou a programação do mês da mulher na PGR.
Na avaliação do coordenador da 7ª Câmara, subprocurador-geral da República Domingos Sávio, o Ministério Público Federal deve, cada vez mais, ouvir e dar visibilidade às mulheres e à luta contra a violência policial. “Para avançar, precisamos estreitar a relação com os movimentos sociais. São eles que lutam de forma concreta em prol dos direitos humanos”, afirmou. Já a procuradora Sandra Cureau, mediadora do debate, lembrou que a defesa dos direitos humanos está diretamente ligada ao controle externo da atividade policial. “Precisamos impedir as diárias violações e garantir os direitos fundamentais a toda população”, resumiu.
Cine-debate – O filme de Natasha Neri retrata homicídios praticados pela polícia contra civis, no Rio de Janeiro, em casos relatados oficialmente como “autos de resistência”. No debate sobre o documentário, Natasha criticou a banalização dessa prática. Para ela, essa justificativa que os policiais têm para atirar é uma cortina de fumaça que esconde o genocídio contra a população negra e periférica brasileira.
A cineasta aproveitou para ressaltar o protagonismo das mulheres no enfrentamento à violência estatal e à letalidade policial, que deu nome ao evento promovido pela 7ª Câmara. Durante o cine-debate, Ela Wiecko pontuou que o filme deu voz às vítimas que não são ouvidas pela grande mídia e criticou as políticas públicas que não incluem a parcela menos favorecida da população.
Relatos – Mesmo após ter o único filho, Moisés Mendes de Santana, morto aos 21 anos, Ivanir ressaltou que não é contra os policiais, tampouco concorda com a guerra entre a corporação e as periferias cariocas. “Não somos contra os policiais, muito menos a favor de bandidos. Queremos a humanização da segurança pública no Brasil”, destacou. Em seu relato, a mãe pediu ajuda das autoridades para que não seja aprovado o chamado pacote anticrime, proposto pelo governo federal. “Esse projeto vai legalizar a carnificina que já está acontecendo, porque autoriza os policiais a matarem ainda mais inocentes”, alertou.
Já Débora, que fará 60 anos em 10 de maio, perdeu o filho no massacre que ocorreu em São Paulo em maio de 2006. Ela e centenas de outras mães na mesma situação integram a organização Mães de Maio. Nessa batalha, as mães pedem justiça pela morte dos filhos, mas chamam atenção principalmente para o massacre diário que ocorre no país, dada a quantidade de jovens negros e moradores de periferia que são assassinados por policiais sob a justificativa do “auto de resistência”.