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Direitos do Cidadão
11 de Fevereiro de 2020 às 12h45

PFDC defende inconstitucionalidade de lei que restringe atendimento de saúde a migrantes e refugiados em Roraima

A Lei 2.074/2019 limita a 50% os serviços de saúde a serem ofertados a essa população, violando diretrizes constitucionais e outros marcos legais. Sugestão é que normativa seja levada ao STF

A imagem mostra um grupo de venezuelanos em uma sala de espera aguardando atendimento.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A restrição no acesso a serviços de saúde imposta a migrantes e refugiados por uma lei de Boa Vista, em Roraima, é inconstitucional, além de ferir a legislação nacional e também compromissos internacionais firmados pelo Estado brasileiro.

A Lei nº 2.074/2019 foi publicada em 26 de dezembro pelo município de Boa Vista e limita a 50% os serviços públicos de saúde a serem disponibilizados a pessoas em situação de migração naquela localidade, inclusive no que se refere ao acesso a exames e a medicamentos.

Na prática, a medida impõe obstáculos à prevenção, diagnósticos e tratamento de migrantes e refugiados, fragilizando a própria segurança epidemiológica, além de gerar riscos de proliferação descontrolada de moléstias no território nacional e prejuízos à saúde do conjunto da sociedade.

Diante dessas violações, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, encaminhou na segunda-feira (10) uma representação à Procuradoria-Geral da República sugerindo que a constitucionalidade da referida legislação seja questionada junto ao Supremo Tribunal Federal.

O documento foi elaborado pelo Grupo de Trabalho da PFDC sobre Migrações e Refúgio e destaca que o ordenamento legal e constitucional brasileiro consagra o direito à saúde, de maneira ampla e irrestrita, como dever do Estado – sem distinção entre brasileiros e estrangeiros residentes no país.

No texto, o Grupo de Trabalho aponta que o estado de Roraima tem sido particularmente mais afetado pelo aumento migratório de venezuelanos ao Brasil, com intensificação do fluxo especialmente a partir de 2015. A estimativa é que atualmente quase 32 mil venezuelanos residam na capital do estado, Boa Vista.

“Apesar dos esforços empreendidos para gerenciar a crise migratória em Roraima e de seus notórios avanços, do ano de 2018 até o presente momento, continua frequente nos debates públicos a ênfase nos efeitos negativos decorrentes do inesperado e rápido influxo de migrantes e refugiados venezuelanos”, pontuam os procuradores.

De acordo com o Grupo de Trabalho, é nesse contexto que surge a Lei nº 2.074/2019. “A própria legislação já revela sua motivação ao afirmar, em seu artigo 4º, que os cidadãos brasileiros, em especial os moradores do Município de Boa Vista/RR, 'não possuem mais a efetividade do direito à saúde em virtude da superlotação de estrangeiros'”.

Acerca do tema, o colegiado da PFDC destaca que o suposto comprometimento da efetividade do direito à saúde dos brasileiros residentes em Boa Vista em virtude da hipotética “superlotação” de migrantes e refugiados contraria os recentes dados oficiais divulgados pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV DAPP), do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) e da Universidade Federal de Roraima (UFRR).

“O que se observa é que o sistema de saúde municipal em Boa Vista não se encontra colapsado por conta do fluxo venezuelano. Tampouco se pode afirmar em inexistência de efetividade do direito à saúde aos brasileiros que vivem no município atribuível a suposta superlotação de migrantes e refugiados. O que os estudos demonstram é justamente o contrário: um declínio no registro de atendimentos municipais. E, ainda que se venha a atribuir tal declínio a uma maior efetividade na triagem dos pacientes, fato é que não se demonstrou uma sobrecarga dos serviços de saúde em comparação com o período anterior ao fluxo migratório”.

No documento encaminhado à Procuradoria-Geral da República, os representantes da PFDC reforçam que a restrição discriminatória ao acesso de migrantes e refugiados aos serviços de saúde configura violação aos direitos à vida, à saúde, à igualdade, à proteção integral da criança e do adolescente e, consequentemente, também grave violação ao mínimo existencial e à dignidade da pessoa humana.

“A Lei de Migração também reforça tais previsões constitucionais ao tratar sobre o direito de acesso aos serviços públicos de saúde sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória. Além disso, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de analisar o tema, firmando o entendimento de que serviços públicos no Brasil (no caso, de assistência social) devem também ser garantidos, sem distinção, aos não nacionais”, aponta o texto.

Diante da possibilidade de danos irremediáveis resultantes da restrição a atendimentos no âmbito dos serviços de saúde – incluindo o risco de morte –, a PFDC sugere que a ação no STF seja acompanhada de pedido liminar para suspender a eficácia da Lei 2.074/20019 até que seu mérito seja julgado.

registrado em: *PFDC