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Minas Gerais

MPF-MG de 1º grau

Criminal
9 de Junho de 2021 às 13h40

Em Uberaba (MG), produtor de carvão vegetal é condenado por crime de trabalho escravo

Ele também foi condenado por falsificação de documento público. Pena total foi de 11 anos e oito meses de prisão

#PraCegoVer Quadro com fundo preto e a expressão Trabalho Escravo em letras cinza

Arte: Secom/PGR

O Ministério Público Federal (MPF) obteve a condenação do produtor de carvão vegetal José Belchior dos Santos, pelos crimes de redução de trabalhadores à condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal) e falsificação de documento público (art. 297, § 4º, do CP). Ele recebeu pena de 11 anos e oito meses de prisão, a ser cumprida em regime fechado.

A sentença também impôs ao réu o pagamento de uma indenização, no valor de R$ 48.868,70, a título de reparação do dano causado por seus crimes. Essa quantia deverá ser revertida aos cofres da União, para utilização em programas de erradicação do trabalho escravo.

De acordo com a denúncia do MPF, José Belchior reduziu 10 trabalhadores a condições análogas às de escravo, sujeitando-os a condições degradantes de trabalho no período compreendido entre 12/11/2019 e 13/02/2020. No mesmo período, ele não efetuou o devido registro nas Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS) desses trabalhadores, o que configura o crime de falsificação de documento público.

"Indignidade e degradância" - José Belchior produz carvão vegetal em propriedades rurais arrendadas, empregando trabalhadores para as atividades de corte de eucaliptos, enchimento de fornos e carregamento de caminhões com o produto. Fiscalização da Gerência Regional do Trabalho de Uberaba (MG), realizada nas fazendas Santa Maria e São Bartolomeu, localizadas no município de Ibiá, no Triângulo Mineiro, encontrou 10 trabalhadores morando em alojamentos em condições precárias.

Segundo os relatórios de fiscalização, “Salvo pequenas diferenças estruturais, os alojamentos reservavam as mesmas características de indignidade e degradância aos trabalhadores que os habitavam. Nenhum deles possuía condições básicas de segurança, higiene e privacidade. (…) Os pisos da maioria dos cômodos dos alojamentos eram de cimento grosso, mal acabado e desnivelado, o que inviabilizava a limpeza do local. Além disso, todos eles eram destituídos de laje, cobertos apenas com telhas do tipo ethernit, sem a necessária vedação entre as paredes e o telhado, o que contribuía para a entrada de todo tipo de sujidades, folhas, insetos e animais, dificultando ainda mais a conservação das condições de asseio e higiene. (…) não havia armário ou guarda-roupas, de modo que os trabalhadores pudessem guardar seus pertences, suas roupas e mantimentos, que ficavam sobrepostos nas próprias camas, dispostos no chão ou dependurados nas paredes dos quartos”

Não havia água potável para beber. “A água era captada em cursos d’água nas proximidades dos alojamentos e armazenadas em garrafas pet de refrigerantes (…) e não passava por qualquer processo de purificação (cloração) ou filtragem antes de ser utilizada para ingestão, pelo contrário, era utilizada diretamente para cozinhar, tomar banho e beber, tanto no local de trabalho, quanto no alojamento”, narraram os fiscais.

Também não havia instalações sanitárias próximo às carvoarias e os empregados eram obrigados a satisfazer suas necessidades fisiológicas a céu aberto, nas proximidades da bateria e dos fornos, situação que, segundo a sentença “avilta a dignidade dos trabalhadores, uma vez que os expõe a constrangimentos, ao risco de contato com animais peçonhentos e à ausência de higienização adequada”.

Com relação às condições de trabalho, verificou-se que os empregados, quando da execução de suas atividades, faziam uso apenas de luvas e botas em péssimas condições, e, segundo informações deles próprios, o empregador forneceu somente luvas quando iniciaram suas atividades.

Verificou-se também que José Belchior deixou de possibilitar a esses trabalhadores acesso aos órgãos de saúde para prevenção e profilaxia de doenças endêmicas e aplicação de vacina antitetânica, conforme estipulado em norma. “Importante registrar o elevado risco de incidência de tétano no coletivo desses trabalhadores, uma vez que manuseavam ferramentas pérfurocortantes (motosserras, foices), em contato permanente com terra. (…) A situação se apresenta ainda mais gravosa quando observado que, no contexto inspecionado, não se forneceu aos trabalhadores os Equipamentos de Proteção Individual adequados, o que majora significativamente os riscos aos quais os empregados estavam expostos”, registrou um dos relatórios.

Jornada exaustiva - Os trabalhadores, recrutados nos municípios de São Francisco, São Romão e Bocaiúva, na região norte de Minas Gerais, em Pompéu e Bom Despacho, no centro-oeste mineiro, e em Uberaba, no Triângulo Mineiro, afirmaram que, apesar de não haver apontamentos sobre os horários de início e término das atividades, eles trabalhavam de segunda a sábado, começando a jornada às seis da manhã e encerrando por volta das 17 horas. O descanso aos domingos não era remunerado.

Nesse sentido, os relatórios de fiscalização apontaram que “a remuneração do trabalho exclusivamente em função da produção leva os trabalhadores a tentar manter alta produção para obter melhores salários, o que poderá resultar em distúrbios osteomusculares com graves consequências para a saúde”.

Os pagamentos também atrasavam e foram encontrados trabalhadores que lá estavam há três meses sem receber qualquer pagamento.

Omissão de registro na CTPS - Nenhum dos 10 trabalhadores foi registrado pelo empregador e a fiscalização ainda encontrou outros sete empregados também sem registro, totalizando 17 ocorrências.

Durante depoimento em juízo na condição de testemunha, um fiscal explicou que a falta de anotação na carteira de trabalho “representa uma negligência não só com o reconhecimento da relação empregatícia, mas uma condição de trabalho que expõe o trabalhador a riscos de não ter a sua necessidade atendida em eventual acidente de trabalho na atividade laboral, o que é comum em atividade de carvoaria”.

Após a ação de fiscalização, foram lavrados 12 autos de infração, que incluíram ainda outras irregularidades, como falta de treinamento para operadores de motosserra e/ou motopoda e/ou similares, falta de local adequado para refeições e não fornecimento de equipamentos de proteção individual.

"Desprezo à condição humana" - Lembrando que, na configuração do crime de trabalho escravo dada pela Lei 10.803/2003, existem condutas que vão além da restrição da liberdade individual, como a imposição a trabalhos forçados, a condições degradantes ou à jornada exaustiva, a sentença afirma que os relatórios apresentados pela fiscalização demonstram, “acima de qualquer dúvida razoável, o absoluto desprezo à condição humana dos trabalhadores, assim aviltados a meios, instrumentos, objetos ou coisas, para a consecução de fins”.

Quanto ao crime de falsificação de documento público, a sentença diz que, “Efetivamente, os trabalhadores engajados na carvoaria das Fazendas Santa Maria e São Bartolomeu (Ibiá/MG), a mando e sob o comando do acusado, ali passaram a laborar, sem a anotação dos respectivos contratos de trabalho em Carteira de Trabalho e Previdência Social” e, como ficou comprovado o vínculo empregatício, esse registro era obrigatório.

Ainda segundo a sentença, “Os motivos da infração são injustificáveis, cingindo-se ao propósito de amealhar lucro à custa da miséria e desgraça alheias. As consequências foram graves, ante a severa violação à liberdade individual e à organização do trabalho em pleno século XXI”.
(Ação Penal nº 1003219-78.2020.4.01.3802)

 

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