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Minas Gerais

MPF-MG de 1º grau

Direitos do Cidadão
7 de Junho de 2021 às 17h20

Barragem em Itatiaiuçu (MG): acordo estabelece medidas inéditas de reparação a atingidos

Pessoas afetadas pela barragem participaram ativa e efetivamente da construção da matriz de danos que irá fundamentar as reparações

Imagem mostra a barragem de Serra Azul vista do alto

Foto: Geoestável Consultoria e Projetos

O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) celebraram com a mineradora ArcelorMittal um novo acordo, denominado Termo de Acordo Complementar, estabelecendo todos os parâmetros para a reparação integral dos danos morais e materiais causados às centenas de famílias atingidas pelo deslocamento compulsório e pelos efeitos do plano de emergência acionado em 2019. Tais efeitos relacionaram-se especialmente à evacuação da área de possível inundação por lama em caso de rompimento da barragem Serra Azul, no município de Itatiaiuçu (MG), que se encontra em situação de emergência há mais de dois anos.

Trata-se de um resultado emblemático em termos de negociação envolvendo os direitos de pessoas atingidas por barragens, porque, ao levar em conta o princípio da centralidade do sofrimento dos atingidos como eixo norteador de todas as suas cláusulas, conseguiu alcançar critérios de reparação bastante favoráveis, em termos de justiça material e moral relacionada a conflitos socioambientais envolvendo a atividade de mineração.

Na madrugada do dia 8 de fevereiro de 2019, a ArcelorMital acionou o Plano de Ação em Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) após a Agência Nacional de Mineração (ANM) declarar situação de emergência Nível 2 para a barragem Serra Azul, o que obrigou à remoção preventiva dos moradores que residiam na chamada Zona de Autossalvamento (ZAS). Cerca de 50 famílias do bairro Pinheiros e dos povoados de Vieiras e Lagoa das Flores, residentes a pouco mais de um quilômetro da barragem, foram retiradas de suas casas e levadas para um hotel devido ao risco de colapso da estrutura.

Posteriormente, em decorrência de revisões dos estudos de ruptura hipotética da barragem, que levaram a modificações dos limites da "mancha hipotética de inundação", houve remoções complementares de mais moradores. No total, foram cadastrados 655 núcleos familiares como atingidos pelo acionamento do PAEBM, considerando-se inclusive aqueles que, embora não desalojados, sofreram com as incertezas sobre o risco e com as perdas econômicas causadas pela interdição de parte da área das comunidades.

O acordo assinado nesta segunda-feira (7) estabelece condições, critérios e valores para se efetuar os cálculos da reparação de danos individuais homogêneos, entre eles, perda da moradia ou do imóvel que o atingido possuía, detinha ou ocupava; perda de renda; danos às atividades agropecuárias (agricultura e criação de animais) e danos a outros tipos de atividades econômicas. Também serão reparados os danos morais originados das situações de sofrimento causadas pelo afastamento das pessoas de seus lugares de vida e pelo medo e insegurança decorrentes da ameaça de rompimento da barragem.

“É importante destacar que esse acordo foi construído de forma horizontal, com a participação dos atingidos, auxiliados por assessoria técnica, inclusive por meio da constituição de grupos de base, que tiveram voz e presença nas negociações por meio da sua Comissão Representativa. Não foi a empresa causadora do dano ou instituições externas que propuseram quais seriam as formas de reparação e em qual montante deveriam ser valorados. A comissão dos atingidos de Itatiaiuçu exerceu papel fundamental, e junto com a assessoria técnica independente da Aedas, construiu a matriz de danos que contemplou vivências, percepções e realidades pessoais, familiares e comunitárias, com aspectos materiais e subjetivos, individuais e coletivos”, relatam o procurador da República Lauro Coelho Júnior e o promotor de Justiça Lucas Silva e Greco, responsáveis pela condução das tratativas com mineradora e intermediação com as pessoas atingidas.

Some-se a isso, acrescentam os membros dos Ministérios Públicos federal e estadual, “o necessário reconhecimento de que a ArcelorMittal, diversamente da conduta adotada por outras mineradoras em casos semelhantes, pautou-se pela disposição ao diálogo, à solução consensual e extrajudicial das demandas e ao respeito e ao cumprimento das obrigações pactuadas nos diversos termos preliminares de ajustamento de conduta celebrados desde a época em que o PAEBM foi acionado”.

Definição de atingido – O Termo de Acordo Complementar (TAC) começa definindo quem será considerado atingido para ter direito à reparação: toda pessoa que sofreu danos em razão do acionamento do PAEBM, o que inclui tanto as que foram removidas, quanto as que não residiam na ZAS mas tiveram perda de renda. Também foram consideradas atingidas as diversas famílias que, embora não tivessem residência fixa no local, utilizavam os imóveis, muitos deles sítios e chácaras, para descanso e recreio nas folgas e finais de semana. Considerou-se ainda a situação dos caseiros dessas propriedades, que, além de removidos dos locais de moradias, tiveram o desempenho de suas atividades laborais inviabilizadas.

Neste ponto, vale ressaltar um ponto inovador do acordo: embora a ArcelorMittal tenha se comprometido com a indenização ou o reassentamento, que consiste na aquisição de residências em outros locais, acordou-se que a propriedade do imóvel interditado permanecerá com as famílias, a lhes ser devolvida quando da desinterdição da área de risco, a partir do avanço do descomissionamento da barragem. Durante esse período, a empresa comprometeu-se a conservar e arcar com todas as despesas relativas aos imóveis.

Outro ponto inovador é que o cálculo para a reparação dos danos morais será feito por indivíduo e não por família. “O pleito para a realização de um cálculo individual foi trazido pela assessoria técnica das pessoas atingidas sob a perspectiva de que o sofrimento, o dano moral, é intrinsecamente pessoal, sendo mais adequado que, na sua valoração, ele seja considerado ante a perspectiva pessoal de cada indivíduo. Nesse sentido, inclusive, acordou-se que a reparação por esse dano extrapatrimonial deve ser valorada em patamar mais alto para as pessoas idosas, pela maior sensibilidade à incerteza da situação e por terem menos tempo de vida para que possam colocar em prática seus planos de vida, muito deles interrompidos pelo acionamento do plano de emergência”, explicam os representantes do Ministério Público.

Manutenção de assistência – Outra das obrigações assumidas pela ArcelorMittal no TAC foi a de manter medidas assistenciais em favor dos atingidos, para que as pessoas removidas permaneçam abrigadas provisoriamente em residências alugadas pela mineradora, até que os acordos individuais de reparação dos danos sejam efetivados.

Os serviços da entidade de assessoria técnica que presta apoio aos atingidos em seus processos de tomada de decisão também serão mantidos até a conclusão dos processos de reparação, e, apesar de contratada e custeada pela ArcelorMittal, ela permanecerá atuando de forma autônoma da mineradora, com reforço em sua estrutura de pessoal, que passará a contar, entre outros profissionais, com mais arquitetos e advogados.

Estará ainda a cargo da assessoria técnica auxiliar os atingidos na descrição pormenorizada dos danos sofridos pelo núcleo familiar, por meio da elaboração de um “caderno de reparação”, que conterá os valores, mensurados a partir dos parâmetros coletivos já estabelecidos na “matriz de danos” e de informações apuradas por meio de diagnóstico socioeconômico, tomada de termos e laudos de avaliação imobiliária.

Posteriormente, as negociações em busca da celebração de acordos individuais com a empresa serão realizadas com a assessoria jurídica de advogados a serem disponibilizados sem custos às famílias atingidas. Tais profissionais, além de outros, de especialidades técnicas diversas, como Economia, Ciências Agrárias e Arquitetura, auxiliarão as famílias atingidas em caso de necessidade de produção de provas complementares para a demonstração dos danos alegadamente sofridos.

Outro ponto importante fixado no acordo é o de que as reuniões para negociação deverão ocorrer em instalações disponibilizadas por meio da Assessoria Técnica Independente, como forma de se garantir a busca de entendimento em ambiente favorável às pessoas atingidas. Também ficou estabelecido que deverão ter prioridade, no atendimento aos núcleos familiares, as pessoas mais vulneráveis: idosos, crianças, adolescentes, portadores de doenças graves, deficientes e vítimas de violência doméstica e familiar.

Uma vez apresentada uma proposta de acordo pela ArcelorMittal, as famílias poderão solicitar um prazo de até sete dias, a título de tempo de reflexão, para oferecer resposta.

O acordo também previu que, em razão da pandemia da COVID-19, as atividades da Assessoria Técnica Independente deverão ser exercidas conforme os protocolos de proteção sanitária determinados pelos órgãos de saúde pública, de maneira a resguardar a integridade física de todos os envolvidos.

Prestação mensal – O acordo ainda estabeleceu a obrigação, por parte da mineradora, de efetuar o pagamento de uma prestação mensal, no valor de 2,5 salários mínimos, por mais 12 meses, para todas as famílias desalojadas ou residentes no entorno, desde que previamente cadastradas pela assessoria técnica ou residentes em um raio de até um quilômetro dos limites da mancha hipotética de inundação.

MPF e MPMG relatam que “tal medida foi pensada como uma forma coletiva de reparação, ligada à necessidade de reativação econômica, e foi destinada aos moradores das comunidades atingidas que acabaram impactadas, inclusive sob o aspecto econômico, pela situação extraordinária vivenciada por aquela região do município. O direito alcança apenas os que lá moravam até o dia 8 de fevereiro de 2019, estando, portanto, excluídos de tais pagamentos pessoas que eventualmente adquiriram imóveis ou se mudaram para as localidades de Pinheiros, Vieiras ou Lagos das Flores após essa data”.

Reparação dos danos à moradia – Entre os danos de conteúdo material a serem objeto de reparação, um dos mais importantes é o dano à moradia causado às pessoas que foram retiradas de seus imóveis.

O acordo prevê que o atingido poderá escolher entre receber o valor da indenização em dinheiro ou ser reassentado em outro imóvel de sua escolha (mantendo-se, neste caso, a mesma metragem do terreno e das edificações do imóvel anterior, assim como o padrão construtivo). Deverá, no entanto, ser levado em conta um parâmetro mínimo para a efetivação da reparação ao direito, que será de 500 m² para imóveis urbanos e de três hectares para imóveis rurais, ainda que as propriedades originais na ZAS possuam dimensões menores. As edificações das moradias também deverão ser reparadas observando-se um parâmetro mínimo de 80m² por núcleo familiar.

O acordo também definiu os critérios de apuração do valor do terreno e das edificações e benfeitorias, estabelecendo que o valor do imóvel localizado integralmente na ZAS será constituído pela soma entre o valor do terreno (terra nua) e o valor das edificações e benfeitorias. A mesma regra será aplicada a imóvel localizado apenas parcialmente na ZAS. Neste caso, o valor da parcela do imóvel será calculado proporcionalmente à dimensão da interdição existente, salvo quando inviabilizado para o seu uso, hipótese na qual a indenização se dará pelo valor da integralidade do terreno. A esses valores deverá ser acrescida uma indenização pelo tempo em que as famílias ficaram impedidas de usar seus imóveis. O valor será de 0,3 do valor da avaliação do imóvel por mês de interdição até a data da efetivação do eventual acordo individual.

No que diz respeito à compra de nova residência, o TAC estabeleceu que a mineradora ficará responsável, entre outras obrigações, pelo custeio das despesas de natureza administrativa, tributária, registral e notariais, bem como pela garantia de que o imóvel não possua sobre si ônus de qualquer natureza. Além disso, a ArcelorMittal garantirá, por cinco anos, a solidez e segurança do imóvel. Também deverão ser observados critérios de moradia adequada, como boa localização, infraestrutura, acesso à água e a outros serviços públicos essenciais, o que deverá ser observado em um modelo de compra assistida, com possibilidade de acompanhamento por parte da assessoria técnica.

Animais domésticos - Outro compromisso assumido pela mineradora foi o de manter os animais domésticos de pequeno e grande porte em abrigo que assegure condições de bem-estar inerentes a cada espécie, nos termos das especificações apontadas pelo órgão ambiental competente e conforme orientação dos Conselhos Federal e Regional de Medicina Veterinária.

Quanto à reparação, os atingidos terão diferentes opções conforme cada situação: no caso dos animais de grande porte que estavam na área desalojada, como vacas, cavalos e porcos, poderão escolher entre a indenização pelo valor do animal, conforme previsto na matriz de danos, ou devolução do animal ao núcleo familiar. Para os núcleos familiares cujos animais faleceram ou foram perdidos ou, ainda, cujos reprodutores foram castrados sem autorização, poderão optar entre a indenização pelo valor do animal ou restituição de um novo animal, da mesma raça ou pertencente à outra raça, conforme escolha do atingido.

Danos econômicos - A título de reparação dos danos materiais às atividades econômicas, ainda que exercida em regime de informalidade, os atingidos terão direito a uma indenização de acordo com os valores apresentados na matriz de danos, englobando diversos tipos de danos, entre eles, dano à atividade agropecuária (produção agrícola e animal), e à atividade empresarial ou individual autônoma, assim como eventuais dívidas contraídas em decorrência dos efeitos do PAEBM.

Danos morais - A matriz de danos classificou as causas de dano moral em subcategorias [Sofrimento Psíquico; Relações com Amigos e Vizinhança; Relações com Familiares e Restrições à Locomoção], e o acordo estabeleceu que, para a demonstração da ocorrência de algumas delas será considerada prova suficiente o depoimento pessoal da pessoa atingida.

Para o MPF e MPMG, “a importância desse acordo sobressai quando se tem em vista que todas as conquistas alcançadas neste caso, notadamente a contratação e efetiva atuação da Assessoria Técnica Independente, a construção da matriz de danos pelos próprios atingidos e o estabelecimento das medidas de reparação a partir dessa matriz de danos, foram obtidas extrajudicialmente.”

Clique aqui para ler a íntegra do Termo de Acordo Complementar.

 

 

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