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19 de Março às 16h52
Por Marcia Barros

Mineração e água: MPF e sociedade discutem contaminação das águas brasileiras por grandes empreendimentos

Casos de Mariana, Barcarena , Belo Monte e Onça Puma foram lembrados como crimes ambientais, em ciclo de debates do Fórum Alternativo Mundial da Água

Mineração e água: MPF e sociedade discutem contaminação das águas brasileiras por grandes empreendimentos

Foto: Leonardo Prado/Secom/PGR

As tragédias ambientais causadas por grandes empreendimentos não podem ser consideradas acidentes, pois são crimes ambientais. Além de deixarem um rastro de contaminação, envenenando os rios brasileiros, os projetos afetam as populações que dependem diretamente desses recursos. O uso da água e o impacto dos grandes empreendimentos foram discutidos durante a tarde de sábado (17) pelos participantes do Fórum Alternativo Mundial da Água no ciclo de debates “Barragens e risco socioambiental”, realizado na Universidade de Brasília.
 
“Não estamos falando apenas da água que vem sendo utilizada para tirar o metal debaixo da terra e fazer com que se torne metal precioso e seja exportado. Não é só essa água que está em jogo, é a água que é poluída através desse processo”, observou o procurador regional da República Felício Pontes, que atuou nos casos de Belo Monte, da contaminação do Rio Cateté pelo empreendimento Onça Puma, de Barcarena e de Mariana.

Crimes ambientais - O vazamento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), contaminou o Rio Doce, matou 19 pessoas, soterrou casas e deixou milhares de pessoas sem abastecimento de água, espalhando um rastro de lama por cidades em dois estados até chegar ao mar, prejudicando quem dependia dele para quase tudo. Para os atingidos, não foi um acidente, mas um crime.  

“É um crime que, para nós, é difícil falar em reparar. Foi um crime que tirou vidas e matou nosso parente”, lamentam. O parente por quem ainda choram os índios Krenak é o Rio Doce, contaminado pelo mar de lama e rejeitos. A lama soterrou parte da história do povo, acabou com os peixes que os alimentava e com plantas medicinais que cresciam às margens do Uatu – nome indígena do Rio Doce.

Citando um retrospecto dos danos causados pelo rompimento da barragem, promotores e procuradores criticaram o acordo feito entre a empresa Samarco, as suas controladoras e a Advocacia-Geral da União. O chamado “acordão” está com a homologação suspensa na Justiça. Segundo membros do MP, o acordo priorizava a proteção do patrimônio das empresas em detrimento da proteção das populações afetadas e do meio ambiente.

“As questões criminais não são negociadas, os direitos da população também não são”, destacou o procurador da República Paulo Henrique Camargos Trazzi. Ele acrescentou que 21 pessoas foram denunciadas criminalmente por homicídio qualificado e quatro empresas por 12 crimes ambientais. Além disso, o MP busca na Justiça reparação no valor de R$ 155 bilhões. “O desastre não ocorreu só no dia 5 de novembro, mas continua até hoje, afetando a vida e a saúde dos atingidos. Essa destruição decorre de redução de custos nos empreendimentos, que barateia as suas operações sem pensar no que pode acarretar”, pontuou o procurador da República Edmundo Antônio.  

Licenciamento irregular - A precariedade nos sistemas de operação também é apontada como uma das causas para o vazamento de bauxita da barragem de rejeitos da empresa Hydro Alunorte, em Barcarena, no Pará. A promotora de Justiça Eliane Moreira identificou uma série de fatores que mostram que a produção da mineradora não é segura e solicitou a paralisação das atividades da empresa. Segundo a promotora, o licenciamento ambiental das atividades é de 1985 e contemplava apenas um depósito de resíduos.

Um segundo empreendimento foi anexado no licenciamento ambiental do primeiro, sem novos estudos. “Para entender melhor, foi licenciando inicialmente um coelho e logo depois acrescentado um elefante ao mesmo projeto”, explicou. “O licenciamento dessa obra é ilegal”. Além disso, há denúncias de que comunidades foram desapropriadas irregularmente para a construção do empreendimento.  

Nos últimos 15 anos, pelo menos outros 15 acidentes envolvendo mineração em Barcarena foram registrados, informou a representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) conhecida como Elisangela. “O que acontece na região não começou hoje, não é novo. Os impactos para as famílias e comunidades são muito grandes. São povos quilombolas, expulsos de suas comunidades originais. Há um longo histórico de crimes da Hydro contra aquela população” , relatou emocionada, ao lembrar da contaminação do rio Pará.

Contaminado também está o rio Cateté, que corta a terra indígena dos Xikrin Kayapó, ainda no estado do Pará. Ferro, cromo e níquel vindos da mineradora da Vale, Onça Puma, deixaram as águas com coloração vermelha. A denúncia partiu dos próprios indígenas, que também utilizam as águas do rio para pescar, beber, cozinhar e tomar banho. Além da coloração da água, os índios começaram a perceber o aumento de doenças. Segundo o médico João Paulo Botelho, que acompanha os Xikrin há quase 40 anos, os metais pesados encontrados na água causam má formação em fetos, doenças neurológicas e degenerativas, câncer entre outras patologias.

Responsável pela decisão que paralisou as atividades da mineradora, o desembargador Souza Prudente lembrou que a proteção do meio ambiente e das populações passa por um licenciamento ambiental bem feito. “A tragédia de Mariana, por exemplo, não existiria se não fosse a atitude criminosa do governo. Não basta licenciar, precisa se acompanhar, porque nem se sabe em que circunstâncias esses licenciamentos são aprovados”, frisou.  

Vítima das consequências das obras da hidrelétrica de Belo Monte, Antônia Mello diz que os culpados têm nome e endereço certo, “Está claro que tudo acontece com conivência do Estado. Não precisamos desses projetos, que só vem para acabar e matar”, afirmou, ressaltando que o Estado tem uma dívida impagável com as populações afetadas.

Segundo Felício Pontes, é preciso rebater dois grandes argumentos utilizados por quem defende os grandes empreendimentos: que a energia no Brasil, gerada por hidrelétricas é limpa e que os empreendimentos de mineração consomem pouca água. “A contaminação dos nossos rios faz com que o uso da água para mineração se torne muito maior”, rebateu.

O procurador encerrou o ciclo de debates contando a visão dos índios Yanomami, também afetados pela mineração, sobre o fim do mundo. “Eles dizem que esses minérios estão embaixo da terra porque quando se unem com o céu, lá na linha do horizonte, é aquele minério que sustenta o céu. E eles dizem que a retirada desse minério vai fazer com que o céu caia. Para mim, em um primeiro momento, isso era algo folclórico. Diante de tudo que vemos, agora não é mais”, expressou.
 
Fama - O Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama) é um evento internacional, democrático e que pretende reunir mundialmente organizações e movimentos sociais que lutam em defesa da água como direito elementar à vida. Com o tema “Água não é mercadoria”, ele acontece paralelamente e em contraponto ao 8º Fórum Mundial da Água, que também é realizado em Brasília, de 18 a 23 de março.

A secretária de Direitos Humanos do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Ivana Farina, ressaltou que o CNMP tratou de providenciar que o MP e todas as suas unidades e ramos estivessem presentes no Fama e no estande do Fórum Mundial da Água. Segundo Ivana Farina, o objetivo é dizer que o trato que se tem hoje do meio ambiente e da água é indevido, é de abuso, é nocivo, e que o MP atua de norte a sul, levando a juízo pedidos de responsabilização por esses desvios. “Não há como falar em estado democrático de direito se não falar em direitos humanos. Temos que levar a todos a verdade socioambiental brasileira. Teremos voz alta daqui até o final do evento”. Os debates foram mediados pelo secretário-executivo da Câmara de Populações Indígenas do MPF, Gustavo Alcântara. Clique aqui para saber mais.

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