Guia Prático 5CCR

Acordos de Leniência


Acordo de Leniência é um mecanismo de combate à corrupção que tem surtido diversos resultados positivos para o país. E o Ministério Público Federal (MPF) é um dos protagonistas em sua implementação. Já foram negociados pelo Órgão 29 acordos de leniência, que contribuíram para o desmonte de diversas redes de corrupção. Os casos mais emblemáticos são no âmbito da Força-Tarefa Lava Jato (FT-LJ). Foram, até então, firmados 13 acordos de leniência, sem os quais seria impossível a FT-LJ obter êxito nas investigações.

Tendo em vista que as negociações firmadas entre os procuradores da República e as pessoas jurídicas ímprobas devem ser homologadas pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão (Combate à Corrupção), foi elaborado o guia prático abaixo, a partir das diretrizes estabelecidas pela Orientação nº 7/2017. O objetivo do guia é auxiliar os membros do MPF quando procurados por empresas que desejem colaborar com as investigações de improbidade administrativa.

A LENIÊNCIA NA PRÁTICA: VISÃO APLICADA E EXPERIMENTAL DO MPF


A palavra “leniência” deriva do latim (lenitate) e significa brandura, suavidade, mansidão.

O sentido do instituto do acordo de leniência é impor compromisso e responsabilidade às pessoas jurídicas que voluntariamente se propõem a romper com o envolvimento com a prática ilícita e adotar medidas para manter suas atividades de forma ética e sustentável, em cumprimento à sua função social.

Em troca desse compromisso, somado à efetiva colaboração que resulte na identificação dos demais envolvidos na infração e na obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração, a pessoa jurídica é beneficiada com o abrandamento de sanções. (SANTOS, Kleber Bispo dos. Acordo de Leniência na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei Anticorrupção. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2018. p. 85)

O acordo de leniência na visão do MPF:
Acordo de leniência é, antes de mais nada, instrumento de investigação. Quando celebrados, devem ficar evidenciados quais os benefícios para investigação, e em quais esferas de responsabilização.

(Fonte: Caso SBM. Procedimento:1.30.001.001111/2014-42).

Os acordos de leniência, e, no crime, as colaborações premiadas são instrumentos fundamentais às investigações de atos ilícitos praticados por organizações complexas e criminosas. São instrumentos fundamentais à desarticulação de organizações.

(Fonte: Caso NM Engenharia. Procedimento: 1.00.000.002362/2017-36.)

Sobre colaboração premiada: 'análise de cláusula referente à esfera de responsabilização de agentes públicos pela prática de ato de improbidade administrativa e de terceiros beneficiários ou indutores desses atos, esfera essa que, por diferir da esfera de responsabilidade criminal dos mesmos agentes, submete-se a regime jurídico próprio'.

(Fonte: Caso Odebrecht. Procedimento: 1.00.000.0008652/2017-93.)

As disposições da nova Lei 12.846, de 2013, compõem um microssistema sancionatório estabelecendo o acordo de leniência como ferramenta de solução extrajudicial no campo da responsabilização de índole civil, na linha do que já prevê a Lei 12.850, de agosto de 2013, na esfera penal”, sendo indiscutível, de outra parte, “a legitimidade do Ministério Público para celebrar termos de ajustamento de conduta, nos termos do artigo 5º, §6º, da Lei 7.347, de 1985.

(Fonte: Ata da 852ª Sessão Ordinária da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, de fevereiro de 2015.)

O acordo de leniência é, antes de mais nada, instrumento de investigação. Quando celebrado, devem ficar evidenciados quais os benefícios para a investigação, e em quais esferas de responsabilização.

(Fonte: Caso SBM. Voto nº 9212/2016. Procedimento:1.30.001.001111/2014-42.)

O sentido e o alcance da leniência, contudo, não se esgotam tão somente em oferta de benefícios à pessoa jurídica que, após corromper, coopera. Trata-se, em sua essência, de instituto de corte dúplice. De um lado, consiste em técnica especial de investigação, que visa permitir que o Estado se valha da colaboração ativa, livre e voluntária de infrator, que, antes de deflagrada uma investigação ou, embora iniciada, mas durante seu curso, traga relevantes e inéditas informações sobre práticas delitivas, sua autoria e materialidade, além da indicação de meios probatórios. Justifica-se francamente na constatação pragmática e simples de que, muitas vezes, o desbaratamento de delitos organizacionais é tarefa complexa, que envolve a custosa e improvável identificação de atuação ilícita coordenada e organizada, com liame de confiança e sigilo entre os perpetradores. Ou seja, o instrumento de consensualidade encerrado no acordo de leniência é algo mais que uma simples confissão, já que exige entrega, sem reserva mental, de dados mais amplos e sensíveis sobre condutas de terceiros, além da própria, bem como indicação e fornecimento de provas e de caminhos probatórios, e, por isso mesmo, pode ensejar significativas mitigações das penas ou, em casos isolados, sua remissão total.

(Fonte: Estudo técnico 01/2017, p. 47.)

O direito administrativo sancionador, portanto, vem se adaptando ao mundo contemporâneo, admitindo a consensualidade em nome da eficiência e agilidade na promoção do interesse público, que inclui não apenas o sancionamento dos infratores, mas também a reparação do dano (efetiva e possível) e, como antes colocado, o desvendamento e desmantelamento de organizações criminosas e os crimes por ela praticados.

(Fonte: Caso Odebrecht. Procedimento: 1.00.000.0008652/2017-93.)

A celebração de um acordo de leniência que envolva a esfera de responsabilização pela prática de ato de improbidade administrativa só se justifica e se sustenta se a parte investigada apresentar elementos úteis para a respectiva investigação, e que sejam aptos a dar maior efetividade à atuação, no caso, do Ministério Público.

(Fonte: Caso SBM. Voto nº 9212/2016. Procedimento:1.30.001.001111/2014-42.)

O acordo de leniência, método alternativo de investigação e negociação entre Estado e particular, deve corresponder a um desejável equilíbrio entre efetividade e eficiência administrativa no combate a delitos, de um lado, e integridade, consistência e coerência do agir estatal em todos os âmbitos, inclusive no repressivo, de outro.

(Fonte: Estudo técnico 01/2017, p. 48.)

O acordo de leniência é espécie de ato jurídico convencional, que, a um só tempo, com natureza dúplice, correlaciona uma técnica especial de investigação e um meio de defesa. Funda-se no reconhecimento e na confissão de práticas irregulares lesivas ao interesse público pela pessoa jurídica que delas se beneficiou e na cooperação voluntária de tal agente faltoso que, ao colaborar com o Estado, permite-lhe obter novas e relevantes informações e provas, com a correlata identificação de materialidade e autoria, atinentes a atos ilícitos cometidos, os quais podem ser sancionados, com reflexos em diferentes esferas de controle e responsabilização estatal.

(Fonte: Estudo técnico 01/2017, p. 49.)

LEGITIMIDADE E COMPETÊNCIA



As negociações deverão ser realizadas por mais de um membro do MPF preferencialmente, de ambas as áreas de atuação (criminal e improbidade administrativa).

* Caso as negociações sejam realizadas em conjunto com outros órgãos, tais como o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, Advocacia-Geral da União, Cade, Tribunal de Contas da União, os acordos deverão ser lavrados em instrumentos independentes, a fim de viabilizar o encaminhamento aos respectivos órgãos de controle.

FASES


FASE
1

INTERESSE DA PARTE

Interesse da parte em firmar acordo de leniência (pessoalmente por advogado ou mediante petição escrita).

Identificação do procurador natural ou distribuição antecipada

Petição de interesse

Autuação de procedimento administrativo

CONVERSAS INICIAIS

Manutenção de conversas iniciais sobre fatos e provas a serem apresentados, para avaliação inicial acerca da necessidade e oportunidade do acordo para as investigações

       

Indeferimento sumário

       

Fim do processo

Assinatura de termo de confidencialidade



FASE
2




APOIO DA 5ª CCR AO PROCURADOR NATURAL (EVENTUAL)

Após o início das tratativas e sua comunicação à 5ª CCR, poderá ser solicitado o apoio da Câmara

negociação concomitante

Caso o acordo de leniência esteja vinculado à celebração de acordo de colaboração premiada com pessoas naturais, a negociação dos acordos com as pessoas naturais deve ocorrer concomitantemente

apresentação de anexos

A parte interessada deve apresentar um anexo para cada fato típico descrito ou conjunto de fatos típicos intrinsecamente ligados, com todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração disponíveis

Complementação de anexos

Instrução prévia

NEGOCIAÇÃO DE SANÇÕES E REPARAÇÃO

Após os anexos serem considerados suficientes ou passíveis de aproveitamento, deve ocorrer a negociação sobre valores de multa, antecipação de reparação de danos e outras sanções, observando-se a proporcionalidade entre o proveito trazido à investigação e o benefício concedido à colaboradora.



FASE
3




elaboração da minuta

A minuta do instrumento de acordo deve ser elaborada atendendo às cláusulas mínimas previstas no item 7 da ON 01/2017.

       

Frustração do acordo

       

Arquivamento

       

Fim do processo

negociação em conjunto

Caso as negociações sejam realizadas em conjunto com outros órgãos, como CGU, AGU e Cade, os acordos deverão ser lavrados em instrumentos independentes.

ENCAMINHAMENTO DO ACORDO ASSINADO À 5ª CCR




FASE
4




DISTRIBUIÇÃO AO TITULAR

APOIO DA 5ª CCR NA FASE DE ANÁLISE PARA HOMOLOGAÇÃO (EVENTUAL)

VOTO E DELIBERAÇÃO EM SESSÃO DE COORDENAÇÃO

Esclarecimentos ou diligências

Homologação e publicação do extrato

RESTITUIÇÃO DOS AUTOS À ORIGEM

* O procedimento administrativo de acompanhamento prosseguirá até o encerramento dos pagamentos ou das ações cíveis relacionadas.




REQUISITOS MÍNIMOS


Cláusulas necessárias

  • Base jurídica: art. 129, inciso I, da Constituição Federal; art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985; art. 26 da Convenção de Palermo; art. 37 da Convenção de Mérida; art. 3º, §2º e §3º, do Código de Processo Civil; arts. 840 e 932, incisos III, do Código Civil; arts. 16 a 21 da Lei nº 12.846/2013; Lei nº 13.140/2015.
  • Descrição das partes
  • Demonstração do interesse público
  • Objeto
  • Obrigações da colaboradora
  • Compromissos do MPF
  • Adesão e compartilhamento de provas
  • Cooperação com autoridades estrangeiras
  • Disposições sobre alienação de ativos
  • Sigilo
  • Renúncia ao exercício da garantia contra autoincriminação e do direito ao silêncio
  • Rescisão: hipóteses e consequências
  • Previsão da homologação pela 5ª CCR

SANÇÕES E MULTAS

  • Observância do princípio da proporcionalidade para multas, sanções e valores pagos a título de antecipação de reparação de danos. Proveito à investigação x benefício concedido à colaboradora.

ORIENTAÇÕES GERAIS

  • Arrecadação de valores. A arrecadação de valores deve considerar as regras e a responsabilidade fiscal e não deve haver previsão de aplicação ou investimento nos órgãos da administração pública.
  • Não quitação por danos ou prejuízos. O valor pago deverá ser considerado como uma antecipação de pagamentos.
  • Recusa e nova indicação de negociar. Os procuradores devem recusar o negociador e solicitar a indicação de outro, caso se sintam desconfortáveis ou em risco moral com o negociador indicado pela empresa a ser colaboradora.
  • Corrupção transnacional. A negociação deve, sempre que possível, compreender tratativas a respeito de prática de corrupção transnacional.


Fonte: Orientação nº 7/52017 5ª CCR.

MODELOS E ORIENTAÇÕES


DÚVIDAS FREQUENTES


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  DÚVIDAS PROCEDIMENTAIS


1. Como cadastrar o “Termo de Confidencialidade”, uma vez que não existe esse tipo de documento no Sistema Único?

Cadastrar sob natureza "extrajudicial" e tipo "documento diverso".

2. Qual assunto/tema devemos incluir no procedimento administrativo já que “Acordo de Leniência” não consta da tabela de assuntos do Sistema Único?

Incluir como Dano ao Erário - Tutela Coletiva.

3. Qual grau de sigilo atribuir aos procedimentos administrativos relativos aos acordos leniência e às colaborações premiadas?

Conforme constante do "item 3" da Orientação nº 7/2017, o procedimento administrativo deverá ser mantido em sigilo durante toda a fase de negociação e, após a assinatura, até o momento fixado no acordo como próprio para o levantemanto do sigilo.

Já a Orientação Conjunta nº 1/2018 dispõe em seu "item 3" que ao procedimento administrativo para a formalização de acordo de colaboração deverá ser atribuído grau de sigilo "confidencial", ainda que relacionado a outro procedimento judicial ou extrajudicial, observando-se especialmente e no que couber, o disposto no art. 4º, §§ 7º e 13, da Lei 12.850/2013.

4. É necessária a publicação de portaria de instauração de procedimentos administrativos relativos a acordos de leniência e a colaborações premiadas?
4.1. Em caso positivo, publica-se somente com a informação de que os autos destinam-se a firmar um acordo (leniência ou colaboração premiada), sem mencionar o nome das partes?
4.2. Deve ser omitida a informação de que os autos são destinados a acordo de leniência ou a colaboração premiada?

O art. 9º da Resolução nº 174/2017 do CNMP assim estabelece:

Art. 9º O procedimento administrativo será instaurado por portaria sucinta, com delimitação de seu objeto, aplicando-se, no que couber, o princípio da publicidade dos atos, previsto para o inquérito civil.

A Orientação Conjunta nº 01/2018 das 2ª e 5ªCCRs, por sua vez, que trata sobre colaborações premiadas, não menciona a obrigatoriedade de publicação de portaria, mas dispõe em seu item 3.2:

3.2. instauração e o arquivamento do procedimento administrativo referido no item 3.1, assim como a celebração de acordo de colaboração na forma desta Orientação, deverão ser comunicadas à CCR respectiva, apenas com a indicação de numeração no sistema informatizado de tramitação do MPF, para acompanhamento e registros estatísticos, e sem a informação das partes e do objeto, para garantia do devido sigilo.

Desse modo, em observância aos princípios que regem a Administração Pública, em especial ao da transparência e ao da publicidade dos atos, as portarias devem ser publicadas com indicação de seu objeto, resguardados, em cada caso, o sigilo das informações desde que necessário às investigações.

5. Como devem ser registradas as reuniões realizadas na fase de negociação dos acordos?

A realização de todas as reuniões deverá ser registrada nos autos do procedimento administrativo do acordo de leniência, com as informações sobre data, lugar, participantes e, ainda, com breve sumário dos assuntos tratados.

6. Os anexos dos procedimentos devem ser encaminhados à Câmara juntamente com os volumes principais?

Os anexos deverão ser encaminhados apenas quando solicitado pela Câmara por ocasião da apreciação do acordo.

7. Como ocorre a distribuição e a apreciação dos procedimentos na Câmara?

Os procedimentos são distribuídos para um dos membros titulares da Câmara, devendo a apreciação do acordo, para fins de homologação, ser realizada em Sessão de Coordenação (cf. Deliberação do Conselho Institucional, nos autos do PA 1.30.001.001111/2014-42, na 10ª Sessão Ordinária, de 14.12.16).

8. Quando e onde são publicadas as pautas de julgamento das Sessões de Coordenação da 5ª CCR?

As pautas das sessões são publicadas no site da 5ª CCR por meio do link sessões com antecedência mínima de 2 (dois) dias, em obediência ao constante do art. 19 da Resolução nº 189/2018, do CSMPF.

9. Onde são publicadas as deliberações do Colegiado nas Sessões de Coordenação da 5ª CCR?

As atas das sessões são publicadas no site da 5ª CCR no link sessões, após a assinatura de todos os membros titulares participantes. Salienta-se que os termos e votos, cujos sigilos forem levantados, também serão publicados na página da Câmara por meio do link Julgados da 5ª CCR.

10. Como solicitar cópia de Procedimento Administrativo?

  • Entrar no site www.mpf.mp.br
  • Clicar na aba 'Para o Cidadão'
  • Clicar em 'Sala de Atendimento ao Cidadão'
  • Clicar em Acesse os serviços da SAC NO MPF Serviços
  • Clicar na aba SOLICITAR em Informações Processuais, cópias/vistas, prioridade de tramitação e audiência com membro´
  • Preencher o cadastro 'Manifestação'
  • Clicar em ´Cadastrar´

11. Quando deverá ser arquivado o Procedimento Administrativo?

A tramitação do procedimento administrativo de acompanhamento prosseguirá até o encerramento dos pagamentos pactuados ou das ações cíveis em que utilizadas as informações decorrentes do acordo de leniência, momento em que o arquivamento será submetido à revisão 5ª CCR.







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  DÚVIDAS JURÍDICAS


1. O que é colaboração premiada?

Colaboração premiada é uma expressão plurívoca, referente a fenômeno complexo, que apresenta por vários aspectos. Muitas das incompreensões sobre o tema derivam da utilização do termo como se ele tivesse um sentido único. A colaboração premiada pode ser vista como um negócio jurídico. Nesse sentido, pode-se conceituá-la como o acordo de natureza predominantemente constitucional por meio do qual o envolvido em um crime ou em uma atividade criminosa se compromete perante o Ministério Público a cooperar em investigações e processos penais relacionados aos fatos em troca de benefícios sancionatórios. O aspecto negocial da colaboração premiada já foi enfatizado pelo Supremo Tribunal Federal: “A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como ‘meio de obtenção de prova’, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno)., HC nº 127483/PR, Relator Min. Dias Toffoli, 27 de agosto de 2015, Diário de Justiça Eletrônico 3 de fevereiro de 2016.). O Supremo Tribunal Federal caracterizou a colaboração premiada como negócio jurídico processual, enfatizando o ambiente jurídico em que ela ocorre, qual seja, o processo penal. No entanto, mais do que a feição processual, prevalece na colaboração premiada o caráter constitucional do negócio jurídico em questão. De fato, a colaboração premiada envolve a negociação de posições jurídicas constitucionais, como o direito e dever fundamental à segurança, o privilégio contra a autoincriminação e outros. Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que, como negócio jurídico, apesar de ostentar aspecto constitucional e processual, mostram-se aplicáveis à colaboração premiada, em certa medida, conceitos, regras e princípios originariamente de direito civil-contratual, tais como autonomia da vontade, boa-fé objetiva, proteção à confiança, promessa, aceitação e outros.

Além disso, acolaboração premiada pode ser considerada como instrumento investigativo ou reparatório. Nesse sentido, pode-se conceituá-la como o meio de obtenção de prova ou indenização por meio do qual um envolvido em um crime ou em uma atividade criminosa coopera com o Ministério Público ou outra autoridade investigante mediante fornecimento de informações e evidências ou por meio da reparação do dano e da recuperação do proveito dos crimes em troca de benefícios sancionatórios. Esse aspecto também já foi destacado pelo Supremo Tribunal Federal: “A colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, destina-se à ‘aquisição de entes (coisas materiais, traços [no sentido de vestígios ou indícios] ou declarações) dotados de capacidade probatória’, razão por que não constitui meio de prova propriamente dito” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Pet nº 6138-AgRg segundo/DF. Relator: Min. Dias Toffoli, 21 de fevereiro de 2017. Diário de Justiça Eletrônico, 4 set. 2017). O Supremo Tribunal Federal, no caso, referiu-se à colaboração premiada apenas como meio de obtenção de prova, a fim de afastá-la do conceito de meio de prova. No entanto, uma das grandes utilidades da colaboração premiada, além de propiciar a obtenção de prova, consiste em viabilizar a reparação dos danos causados pelo crime, podendo inclusive fazer cessar a prática delitiva e evitar consequências mais gravosas mediante localização da vítima de infrações penais em andamento. Esse segundo aspecto não pode ser desconsiderado ou minimizado.

Ademais, a colaboração premiada pode ser entendida como procedimento. Nesse sentido, pode-se conceituá-la como o conjunto de atos concatenados de negociação, celebração, homologação judicial, execução e conclusão de um acordo de cooperação entre um envolvido em um crime ou em uma atividade criminosa e o Ministério Público. Como procedimento, a colaboração premiada desenvolve-se no tempo em uma pluralidade de relações jurídicas, envolvendo múltiplos sujeitos públicos e particulares, que praticam uma série de atos extrajudiciais e judiciais, ao longo de diversas etapas da persecução penal.

Por fim, a colaboração premiada pode ser compreendida como atividade individual tendente à obtenção de um direito. Nesse sentido, pode-se conceituá-la como a cooperação de um envolvido em um crime ou em uma atividade criminosa com o Ministério Público ou outra autoridade investigante com o objetivo de obter direito a benefícios sancionatórios. Trata-se da postura de quem busca o direito a um prêmio decorrente da sua colaboração, independentemente da formalização de acordo ou do cumprimento de procedimento de homologação judicial.

2. Quais os fundamentos constitucionais da colaboração premiada no sistema jurídico brasileiro?

A colaboração premiada tem fundamento em mais de um dispositivo constitucional. Como meio de obtenção de informações relevantes para a investigação de crimes, a colaboração premiada tem base no direito e dever fundamental de segurança (art. 5º, caput, art. 6º, caput, art. 144, caput, todos da Constituição de 1988), bem como no dever estatal de proteção decorrente da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Além disso, como instrumento de promoção da eficiência da atividade investigatória do Estado, bem como da consequente confiança da sociedade quanto ao cumprimento da função estatal de garantia da prevalência da lei, a colaboração premiada tem base nos princípios constitucionais administrativos da legalidade, moralidade e eficiência (art. 37, caput, da Constituição de 1988). Ademais, por tender a realizar de forma mais rápida alguns dos principais objetivos da tutela jurisdicional penal, consistente na cessação da atividade criminosa do colaborador e no início de seu processo de ressocialização, bem como na recuperação de valores provenientes dessa atividade ilícita, a colaboração premiada tem base também nos princípios constitucionais do acesso à justiça e à celeridade da prestação jurisdicional (art. 5º, incisos XXXV e LXXVIII). Por outro lado, a colaboração premiada é uma das alternativas de defesa que se colocam à disposição de investigados ou acusados pelo envolvimento em crimes ou atividades criminosas. Em vez de se defender mediante resistência à pretensão punitiva, o envolvido pode se valer da colaboração premiada para se defender mediante cooperação com as autoridades estatais em troca da aplicação de sanções mais brandas. Por isso, como modalidade de defesa do colaborador, a colaboração premiada tem base no direito fundamental à ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da Constituição de 1988).

Por fim, a colaboração premiada propicia acesso do Estado e da sociedade em geral a informações sobre atividades criminosas cujos detalhes dificilmente seriam conhecidos de outro modo, por ocorrerem de modo secreto, envoltas em pactos de silêncio, o que viabiliza melhor planejamento e organização das atividades estatais de investigação e controle, bem como a realização de pesquisas, estudos, debates e discussões para melhor compreensão de aspectos políticos, econômicos e sociais dessas atividades ilícitas. Nesse sentido, a colaboração premiada tem base no direito fundamental de acesso à informação (art. 5º, inciso XIV, da Constituição de 1988).

3. Quais os fundamentos convencionais da colaboração premiada no sistema jurídico brasileiro?

O Brasil é signatário de duas convenções internacionais que estabelecem a obrigatoriedade de adoção de instrumentos de cooperação de envolvidos em crimes ou atividades criminosas com autoridades estatais, como a colaboração premiada. Trata-se da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo, e da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, conhecida como Convenção de Mérida. A primeira convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 231/2003 e promulgada pelo Decreto nº 5.015/2004, dispõe sobre a cooperação de envolvidos em seu art. 26, ao passo que a segunda convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 348/2005 e promulgada pelo Decreto nº 5.687/2006, cuida do assunto em seu art. 37.

4. Que legislação atualmente disciplina a colaboração premiada no sistema jurídico brasileiro?

A colaboração premiada, considerada de modo genérico e simplista como a concessão de benefícios em favor do réu ou investigado que preste auxílio à atividade estatal de prevenção e repressão à prática de crimes, ingressou no sistema jurídico brasileiro por meio da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº8.072/1990, art. 8º, parágrafo único). Desde então, essa figura jurídica passou por considerável evolução, que pode assim ser resumida, em ordem cronológica: a) foi tratada na antiga Lei de Organização Criminosa (Lei nº 9.034/1995, art. 6º); b) foi incluída pela Lei nº 9.080/1995 na Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e na Lei de Crimes contra a Ordem Tributária, contra a Ordem Econômica e contra as Relações de Consumo (respectivamente, Lei nº 7.429/1986, art. 25, § 2º, e Lei nº 8.137/1990, art. 16, parágrafo único); c) foi inserida pela Lei nº 9.269/1996 no Código Penal, especialmente quanto ao crime de extorsão mediante sequestro (Código Penal, art. 159, § 4º,); d) foi disciplinada na Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998, art. 1º, § 5º); e) foi regulada pela Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Lei nº 9.807/1999, arts. 13 a 15); f) foi prevista nas recentes leis sobre tráfico ilícito de entorpecentes (Lei nº 10.409/2002, art. 32, § 2º e 3º, posteriormente revogada pela Lei nº 11.343/2006, art. 41); g) finalmente, recebeu tratamento mais detalhado e moderno na atual Lei de Organização Criminosa (Lei nº 12.850/2013, arts. 4º a 7º). Percebe-se que a colaboração premiada vem sendo disciplinada no sistema jurídico brasileiro por sucessivos dispositivos legais, que apresentam distintos âmbitos de validade material, prevendo diferentes requisitos de aplicação e estabelecendo diversos benefícios para o colaborador. Nenhuma das leis revogou expressamente as anteriores, com a exceção da Lei nº 12.850/2013, que revogou a Lei nº 9.034/1995 especificamente quanto às organizações criminosas. Por outro lado, também não há como se falar em revogação tácita de uma norma por outra, por apresentarem diferentes campos de incidência e distintos níveis de generalidade e especialidade.

Diante dessa situação, tendo em vista a necessidade de se conferir um mínimo de uniformidade ao instituto, afigura-se razoável entender que se formou um microssistema processual penal de estímulo à cooperação, formado pelo conjunto de leis que tratam da colaboração premiada. Trata-se de construção análoga à que levou à consideração da existência de um microssistema de tutela coletiva no sistema jurídico brasileiro: “A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (1. Turma). Resp n. 510150/MA. Relator: Min. Luiz Fux, 17 de fevereiro de 2004, Diário de Justiça, 29 mar. 2004, p. 173). Portanto, cabe ao intérprete e aplicador do direito combinar e conciliar os diversos dispositivos legais interrelacionados em torno da colaboração premiada para identificar o regime jurídico do instituto.

5. A colaboração premiada é admissível em relação a qualquer crime ou apenas em relação a determinados delitos?

Partindo da concepção de um microssistema processual penal de estímulo à cooperação, pode-se sustentar que, em princípio, a colaboração premiada é admissível em relação a qualquer crime de ação penal pública. A Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Lei 9.807/1999, arts. 13 a 15), ao tratar da colaboração premiada, não estabelece restrição quanto ao tipo de delito. Quanto a esse aspecto, ela não conflita com as demais normas legais que disciplinam da colaboração premiada.

6. A colaboração premiada é admissível em relação a contravenções penais?

As normas legais que tratam da colaboração premiada no sistema jurídico brasileiro somente se referem expressamente a crimes. Não há menção a contravenções penais. Além disso, a colaboração premiada é instrumento de investigação e reparação voltado à elucidação de fatos mais graves e complexos. Assim, o instituto não é aplicável em relação a contravenções penais, que ensejam a adoção de outros meios alternativos ou consensuais de resolução de conflitos penais, como a aplicação imediata de penas restritivas de direitos, conhecida como transação penal, disciplinada pelos arts. 70 a 74 da Lei nº 9.099/1995.

7. A colaboração premiada é admissível em relação a atos infracionais?

As normas legais que tratam da colaboração premiada no sistema jurídico brasileiro não fazem referência expressa a atos infracionais, conceituados como a conduta da criança ou adolescente menor de dezoito anos correspondente a crime ou contravenção penal (art. 103 da Lei nº 9.069/1990). No entanto, não tem sido raro o envolvimento de menores de dezoito anos na prática de crimes graves em conjunto com terceiros ou mesmo em atividades criminosas complexas. Caso um indivíduo com esse perfil resolva cooperar com o Ministério Público ou outras autoridades investigantes, entende-se admissível a adoção da colaboração premiada, por analogia favorável ao interessado. Nessa hipótese, o instituto deve sofrer as necessárias adaptações à situação específica da criança ou adolescente colaborador, tais como a obrigatória assistência de representante legal, a compatibilização dos benefícios decorrentes da cooperação com a forma e o caráter socio-educativo das sanções a que o menor se sujeita e a ampliação e intensificação das medidas protetivas ao colaborador.

8. Pessoas jurídicas podem celebrar acordo de colaboração premiada na condição de colaboradoras?

No sistema jurídico brasileiro tradicionalmente se tem considerado que pessoas jurídicas só têm capacidade penal para a prática de crimes ambientais (Lei nº 9.605/1998). Então, em relação a esse específico tipo de infração penal, pessoas jurídicas podem celebrar acordo de colaboração premiada. Quanto aos demais crimes em geral, somente se admite que pessoas físicas celebrem acordo de colaboração premiada. O instrumento de cooperação geralmente aplicável a pessoas jurídicas é o acordo de leniência, objeto de questionário próprio.

9. No atual sistema jurídico brasileiro, a concessão dos benefícios da colaboração premiada depende da prévia existência de um acordo entre Ministério Público e investigado ou acusado ou o juiz pode concedê-los de ofício em favor de determinado acusado?

A Lei nº 12.850/2013 é o único diploma legal vigente que trata expressamente do aspecto negocial da colaboração premiada (art. 4º, §§ 6º e 7º). A anterior leis sobre tráfico ilícito de entorpecentes (Lei nº 10.409/2002, art. 32, § 2º e 3º, posteriormente revogada pela Lei nº 11.343/2006, art. 41) também considerava a colaboração premiada como acordo. Antes mesmo de tais normas, diversos órgãos do Ministério Público Federal já haviam estabelecido a prática de formalizar a colaboração premiada mediante acordo entre acusação e investigado ou réu, devidamente assistido por defesa técnica.

No entanto, a Lei nº 9.807/1999, em seu art. 13, caput, estabelece que o juiz pode conceder de ofício benefícios ao colaborador. Por outro lado, a Lei nº 12.850/2013, em seu art. 4º, § 6º, veda a participação do juiz nas negociações do acordo de colaboração premiada. Surge, então, dúvida sobre se, no microssistema processual penal de estímulo à cooperação, o segundo dispositivo é incompatível ou não com o primeiro, tendo ou não havido revogação de um pelo outro. A rigor, a proibição de intervenção judicial na fase negocial da colaboração não leva logicamente à impossibilidade de o juiz conceder prêmios ao colaborador de ofício, independentemente de prévio acordo, quando do julgamento do caso sob sua apreciação. Considera-se não haver incompatibilidade entre a Lei nº 9.807/1999 e a Lei nº 12.850/2013. Os diplomas legais em geral e os seus dispositivos específicos em questão não são contrários nem contraditórios, podendo ser conciliados. Uma lei não revogou a outra. Considera-se viável, portanto, a colaboração premiada unilateral.

Esse entendimento foi adotado pelo Supremo Tribunal Federal, em julgado ainda não publicado oficialmente, mas já reportado em seu informativo de jurisprudência. O caso trata da impossibilidade de o juiz obrigar o Ministério Público a celebrar acordo de colaboração premiada, mas em suas razões o relator cuida do tema da possibilidade de concessão de benefícios sancionatórios de ofício: “[O colegiado] [a]duziu ser possível cogitar que o acusado ostente direito subjetivo à colaboração (atividade, e não negócio jurídico), comportamento processual sujeito ao oportuno exame do Poder Judiciário, por ocasião da sentença. Essa compreensão, no entanto, não se estende, necessariamente, ao âmbito negocial. Ao fazer a distinção entre a colaboração premiada e o acordo de colaboração premiada, frisou que a primeira é realidade jurídica em si mais ampla que o segundo. Explicou que uma coisa é o direito subjetivo à colaboração e, em contrapartida, a percepção de sanção premial correspondente a ser concedida pelo Poder Judiciário. Situação diversa é a afirmação de que a atividade colaborativa traduz a imposição do Poder Judiciário ao Ministério Público a fim de celebrar acordo de colaboração ainda que ausente voluntariedade ministerial. Citou, no ponto, o disposto no § 2º do art. 4º da Lei 12.850/2013 (2), que estabelece a possibilidade, em tese, até mesmo de perdão judicial, ainda que referida sanção premial não tenha sido prevista na proposta inicial. Registrou que, no mesmo sentido, diversos diplomas normativos antecedentes à Lei 12.850/2013 já previam essa possibilidade de concessão de sanção premial, sem a exigência da celebração de acordo de colaboração, o qual, embora confira maior segurança jurídica à esfera do colaborador, não se revela indispensável à mitigação da pretensão punitiva. Portanto, independentemente da formalização de ato negocial, persiste a possibilidade, em tese, de adoção de postura colaborativa e, ainda em tese, a concessão judicial de sanção premial condizente com esse comportamento.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). MS n. 35693-AgR/DF. Relator: Min. Edson Fachin, 28 de maio de 2019, Informativo STF n. 942, Brasília, 27 a 31 de maio de 2019.).

No entanto, para fins investigativos, a melhor via consiste na celebração de acordo de colaboração premiada, com prévia estimativa do valor da colaboração pelo Ministério Público, inclusive com oportuna adoção das providências investigativas necessárias à eficaz apuração dos fatos relatados pelo colaborador, bem como com a fixação dos benefícios e a definição dos direitos e deveres das partes. Na perspectiva do colaborador, o caminho negocial confere maior proteção, previsibilidade e segurança jurídica.

10. Existe um direito subjetivo do investigado ou acusado à celebração de um acordo de colaboração premiada? Entendendo cabível a celebração de acordo de colaboração premiada, havendo recusa de celebração do negócio jurídico pelo Ministério Público, o juiz pode aplicar o art. 28 do Código de Processo Penal, remetendo o caso à análise do órgão de revisão do Ministério Público?

A decisão citada na resposta anterior esclarece que o Poder Judiciário não pode compelir o Ministério Público a celebrar acordo de colaboração premiada: “O colegiado entendeu inexistir direito líquido e certo a compelir o Ministério Público à celebração do acordo de delação premiada, diante das características do acordo de colaboração premiada e da necessidade de distanciamento do Estado-juiz do cenário investigativo. Observou que, na linha do que decidido no HC 127.483, o acordo de colaboração premiada, além de meio de obtenção de prova, constitui negócio jurídico processual personalíssimo, cuja conveniência e oportunidade não se submetem ao escrutínio do Estado-juiz. Trata-se, portanto, de ato voluntário por essência, insuscetível de imposição judicial. Ademais, no âmbito da formação do acordo de colaboração premiada, o juiz não pode participar das negociações realizadas entre as partes, por expressa vedação legal (Lei nº 12.850/2013, art. 4º, § 6º) (1). Isso decorre do sistema acusatório, que desmembra os papéis de investigar e acusar e aqueles de defender e julgar e atribui missão própria a cada sujeito processual” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). MS n. 35693-AgR/DF. Relator: Min. Edson Fachin, 28 de maio de 2019. Informativo STF n. 942, Brasília, 27 a 31 maio 2019.).

Caso o candidato a colaborador entenda que a recusa foi indevida, pode apresentar recurso diretamente ao órgão superior de revisão do Ministério Público, no caso do Ministério Público Federal à 2ª ou à 5ª Câmara de Coordenação ou Revisão. Não há necessidade de submissão da questão ao Poder Judiciário, por isso um requerimento formulado nesse sentido carece de admissibilidade por falta de necessidade, elemento integrante da noção de interesse processual.

11. O ofendido, em crimes de ação penal privada, pode celebrar acordo de colaboração premiada com o ofensor?

As normas legais que tratam da colaboração premiada no sistema jurídico brasileiro não fazem distinção expressa entre crimes de ação penal pública e crimes de ação penal privada. No entanto, como parte interessada na cooperação do investigador, geralmente se faz referência apenas ao Ministério Público, como ocorre na Lei nº 12.850/2013. Além disso, a colaboração premiada é instrumento de investigação e reparação voltado à elucidação de fatos graves e complexos, que geralmente envolvem apenas crimes de ação penal pública. Assim, o instituto não parece aplicável em relação a crimes de ação penal privada, que ensejam a adoção de outros meios alternativos ou consensuais de resolução de conflitos penais, como a composição civil de danos, a aplicação imediata de penas restritivas de direitos, conhecida como transação penal, e a suspensão condicional do processo, disciplinadas na Lei nº 9.099/1995.

12. O delegado de polícia tem legitimidade para celebrar acordo de colaboração premiada com investigados ou acusados? Quais seriam os limites desse acordo?

O Ministério Público, como titular da pretensão punitiva (art. 129, inciso I, da Constituição de 1988), deveria ser o único órgão legitimado para celebrar acordo de colaboração premiada, já que tal tipo de negócio jurídico envolve exatamente transigência do poder estatal de punir. No entanto, a participação de delegados de polícia e outros agentes de investigação em atos referentes à negociação e execução do acordo de colaboração premiada, sempre em conjunto com o órgão ministerial com atribuição, deveria ser estimulada, como forma de coordenação de esforços e atuações institucionais.

Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal definiu que os delegados de polícia podem celebrar acordo de colaboração premiada, em decisão ainda não publicada, mas reportada em seu informativo de jurisprudência: “O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta para assentar a constitucionalidade dos §§ 2º e 6º do art. 4º (1) da Lei 12.850/2013, a qual define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. A ação impugnava as expressões “e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público” e “entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso”, contidas nos referidos dispositivos, que conferem legitimidade ao delegado de polícia para conduzir e firmar acordos de colaboração premiada (Informativo 888). Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator), no sentido de que o delegado de polícia pode formalizar acordos de colaboração premiada, na fase de inquérito policial, respeitadas as prerrogativas do Ministério Público, o qual deverá se manifestar, sem caráter vinculante, previamente à decisão judicial. No que se refere ao § 2º do art. 4º da Lei 12.850/2013, o relator esclareceu que o texto confere ao delegado de polícia, no decorrer das investigações, exclusivamente no curso do inquérito policial, a faculdade de representar ao juiz, ouvido o Ministério Público, pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não haja sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 (2) do Código de Processo Penal (CPP). O perdão judicial é instituto que possibilita ao juiz deixar de impor sanção diante da existência de determinadas circunstâncias expressamente previstas em lei. Considerou que o dispositivo, portanto, traz nova causa de perdão judicial, admitido a depender da efetividade da colaboração. Não se trata de questão afeta ao modelo acusatório, deixando de caracterizar ofensa ao art. 129, I (3), da Constituição Federal (CF), relacionada, apenas, ao direito de punir do Estado, que se manifesta por intermédio do Poder Judiciário. A representação pelo perdão judicial, proposta pelo delegado de polícia, ante colaboração premiada, ouvido o Ministério Público, não é causa impeditiva do oferecimento da denúncia pelo órgão acusador. Uma vez comprovada a eficácia do acordo, será extinta pelo juiz, a punibilidade do delator. Quanto ao § 6º do art. 4º da mesma lei, asseverou que o ato normativo em nenhum ponto afasta a participação do Ministério Público em acordo de colaboração premiada, ainda que ocorrido entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor. Não há, portanto, afronta à titularidade da ação penal. Ao contrário, a legitimidade da autoridade policial para realizar as tratativas de colaboração premiada desburocratiza o instituto, sem importar ofensa a regras atinentes ao Estado Democrático de Direito, uma vez submetido o acordo à apreciação do Ministério Público e à homologação pelo Judiciário. Embora o Ministério Público seja o titular da ação penal de iniciativa pública, não o é do direito de punir. A delação premiada não retira do órgão a exclusividade da ação penal. A norma fixa as balizas a serem observadas na realização do acordo. Estas, porque decorrem de lei, vinculam tanto a polícia quanto o Ministério Público, tendo em vista que a nenhum outro órgão senão ao Judiciário é conferido o direito de punir. O acordo originado da delação não fixa pena ou regime de cumprimento da sanção. Ao Poder Judiciário, com exclusividade, compete, nos termos do § 1º do art. 4º (4) da Lei 12.850/2013, para fins de concessão de vantagens, levar em conta a personalidade do delator, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso, bem como a eficácia da colaboração. Os benefícios que tenham sido ajustados não obrigam o órgão julgador, devendo ser reconhecida, na cláusula que os retrata, inspiração, presente a eficácia da delação no esclarecimento da prática delituosa, para o juiz atuar, mantendo a higidez desse instituto que, na quadra atual, tem-se mostrado importantíssimo. Longe fica o julgador de estar atrelado à dicção do Ministério Público, como se concentrasse a arte de proceder na persecução criminal, na titularidade da ação penal e, também, o julgamento, embora seja parte nessa mesma ação penal. A norma legal prevê que, na prolação da sentença, serão estipulados os benefícios. Não se confunde essa definição, que só cabe a órgão julgador, com a propositura ou não da ação penal. No campo, é soberano o Ministério Público. Mas, quanto ao julgamento e à observância do que se contém na legislação em termos de vantagens, surge o primado do Judiciário. Para redução da pena, adoção de regime de cumprimento menos gravoso ou concessão do perdão judicial, há de ter-se instaurado o processo, garantindo-se a ampla defesa e o contraditório. Na sentença o juiz, ao verificar a eficácia da colaboração, fixa, em gradação adequada, os benefícios a que tem direito o delator. Concluiu que os textos impugnados versam regras claras sobre a legitimidade do delegado de polícia na realização de acordos de colaboração premiada, estabelecendo a fase de investigações, no curso do inquérito policial, como sendo o momento em que é possível a utilização do instrumento pela autoridade policial. Há previsão específica da manifestação do Ministério Público em todos os acordos entabulados no âmbito da polícia judiciária, garantindo-se, com isso, o devido controle externo da atividade policial já ocorrida e, se for o caso, a adoção de providências e objeções. As normas legais encontram-se em conformidade com as disposições constitucionais alusivas às polícias judiciárias e, especialmente, às atribuições conferidas aos delegados de polícia. Interpretação que vise concentrar poder no órgão acusador desvirtua a própria razão de ser da Lei 12.850/2013. A supremacia do interesse público conduz a que o debate constitucional não seja pautado por interesses corporativos, mas por argumentos normativos acerca do desempenho das instituições no combate à criminalidade. A atuação conjunta, a cooperação entre órgãos de investigação e de persecução penal, é de relevância maior”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). ADI n. 5508/DF. Relator: Min. Marco Aurélio, 20 de junho de 2018. Informativo STF nº 907, Brasília, 18 a 22 jun. 2018.).

Todavia, um acordo entre delegado de polícia e investigado, pelos próprios contornos aparentemente definidos pelo Supremo Tribunal Federal, mais se assemelha a uma atividade individual de colaboração do interessado voltada à obtenção dos prêmios legais, sujeitando-se à ausência de concordância do Ministério Público em sede processual e consequentemente a uma menor segurança quanto à efetiva aplicação dos benefícios sancionatórios pelo julgador. Embora, ao que parece do entendimento do Supremo Tribunal Federal, haja um ato judicial de homologação do acordo entre delegado de polícia e investigado, o colaborador tende a ficar em situação de maior instabilidade, quase equivalente à mera expectativa de alcance de benefícios por atuação de ofício do juiz. A tendência, portanto, é que o Ministério Público continue sendo o órgão preferencial para celebração de acordos de colaboração premiada. Pode-se, inclusive, estabelecer uma sequência de alternativas de cooperação, ordenadas da mais segura para a menos segura para o colaborador: 1) colaboração premiada baseada em acordo com o Ministério Público, homologado judicialmente; 2) colaboração premiada baseada em acordo com o delegado de polícia, homologado judicialmente; 3) colaboração premiada unilateral, sem prévio acordo, dependente da concessão de benefícios pelo juiz de ofício ou a pedido do colaborador.

13. Diante da vedação do art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/1992, admite-se a celebração de acordo de colaboração premiada no âmbito da improbidade administrativa? Caso positiva a resposta, a pessoa jurídica de direito público legitimada a ajuizar ação de improbidade administrativa, por meio de sua procuradoria, poderia celebrar acordo de colaboração premiada com o demandado? Admite-se que um acordo de colaboração premiada celebrado no âmbito criminal pelo Ministério Público contenha cláusulas relativas a atos de improbidade administrativa?

A 5ª Câmara de Coordenação e Revisão consolidou o entendimento de que, especialmente após a edição da Lei nº 12.846/2013, passou a ser possível a celebração de acordos de cooperação, usualmente designados como acordos de leniência, no âmbito da improbidade administrativa. O art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) encontra-se revogado, conforme essa concepção.

De resto, não haveria sentido em permitir acordos de colaboração premiada na esfera penal para crimes contra a administração pública e vedar soluções negociadas para os correspondentes atos de improbidade administrativa. Isso equivaleria a aceitar uma conduta contraditória e desleal do Ministério Público, que adotaria postura consensual na esfera penal e ao mesmo tempo postura litigiosa no campo civil-administrativo, contra a mesma pessoa, que seria considerada colaborador em um âmbito e não-colaborador em outro. Isso, além de configurar desestímulo a acordos de colaboração premiada quanto a crimes contra a administração pública, ofenderia o próprio princípio da moralidade administrativa, que impõe comportamento coerente e leal por parte dos órgãos e agentes estatais (art. 37, caput, da Constituição de 1988). Portanto, considera-se admissível a celebração de acordos, sob o nome de colaboração premiada ou de leniência, na esfera da improbidade administrativa. Tais negócios jurídicos podem ser celebrados em instrumento separado ou sob a forma de cláusula constante de acordos de colaboração premiada propriamente ditos, celebrados no campo criminal. Em qualquer caso, o termo do acordo de cooperação deve ser submetido à homologação do órgão superior de revisão do Ministério Público, no caso do Ministério Público Federal a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão.

No entanto, uma pessoa jurídica de direito público legitimada a ajuizar ação de improbidade administrativa, por meio de sua procuradoria, não poderia celebrar acordo de colaboração premiada ou de leniência com o demandado. Não se verifica suporte normativo para embasar essa atuação. Na esfera federal, a Advocacia-Geral da União apenas auxilia a Controladoria-Geral da União na celebração de acordos de leniência com base na Lei nº 12.846/2013, não tendo outra atuação negocial ou investigativa que justifique sua legitimidade para soluções consensuais no âmbito da improbidade administrativa.

14. Quem pode ou deve tomar a iniciativa para as negociações de um acordo de colaboração premiada, o Ministério Público ou o investigado ou acusado?

Não há definição específica em qualquer norma legal sobre a iniciativa para as negociações de acordo de colaboração premiada. Todavia, para evitar questionamentos sobre a espontaneidade e voluntariedade do colaborador, convém que as tratativas sejam iniciadas por ele, assistido por advogado.

15. Diante da chamada “dupla garantia”, segundo a qual em “todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor” (art. 4º, § 15, da Lei nº 12.850/2013), é admissível que um investigado ou acusado que também seja advogado atue em causa própria, negociando, celebrando e executando acordo de colaboração premiada sem a assistência de um defensor?

De acordo com o art. 103, parágrafo único, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao âmbito processual penal pelo art. 3º do Código de Processo Penal, “[é] lícito à parte postular em causa própria quando tiver habilitação legal”. Não há óbice, portanto, a que um investigado ou acusado que também seja advogado atue em causa própria, negociando, celebrando e executando acordo de colaboração premiada sem a assistência de um outro defensor.

16. Para assistir um investigado ou acusado na negociação, celebração e execução de um acordo de colaboração premiada, o advogado por ele constituído precisa de procuração com poderes especiais? Sendo positiva a resposta, a descrição desses poderes especiais deve mencionar expressamente o caso ao qual o acordo de colaboração premiada se refere?

O art. 5º, § 2º., da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), estabelece que “[a] procuração para o foro em geral habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer juízo ou instância, salvo os que exijam poderes especiais”. As normas legais que tratam da colaboração premiada no sistema jurídico brasileiro não fazem exigência expressa no sentido de que o advogado que atue em nos respectivo procedimento deva apresentar procuração com poderes especiais. No entanto, diversas situações que envolvem a atribuição de crimes a terceiros, exigem do advogado procurações com poderes especiais, como a representação de cliente para formulação de representação em crimes de ação penal pública condicionada (art. 39 do Código de Processo Penal); a apresentação de queixa-crime em crimes de ação penal privada (art. 44 do Código de Processo Penal); e a suscitação de incidente de falsidade documental (art. 146 do Código de Processo Penal).

Por isso, como a colaboração premiada também envolve normalmente a atribuição de crimes a terceiros, entende-se que o advogado deve apresentar procuração com poderes especiais, mencionando expressamente o caso a que a situação se refere. Geralmente não se aplica analogia a hipóteses de exceção, como é o caso, contudo convém adotar essa medida pelo menos por cautela.

17. Os depoimentos prestados pelo colaborador em seu acordo de colaboração premiada devem ser reduzidos a escrito, gravados em meio audiovisual ou ambos? Em caso de gravação audiovisual, admite-se que o rosto do colaborador não seja filmado ou sua imagem seja desfocada?

O art. 44º, §13, da Lei 12850/2013 estabelece: “Sempre que possível, o registro dos atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações”. Assim, não há uma forma de registro específico, mas o recomendável seria o emprego de ambas as formas: a escrita para recapitulação rápida e; a gravação, para maior fidedignidade. Com relação à proteção da imagem, a lei assegura tal possibilidade, por extensão do art. 5º, I da mesma lei, compatibilizada com a Lei de Proteção a Testemunhas (art. 7º, IV da Lei 9807/1999).

18. Os depoimentos inicialmente prestados pelo colaborador em seu acordo de colaboração premiada, destinados à instrução do pedido de homologação judicial, devem ser exaustivos, abrangendo todos os detalhes e circunstâncias dos fatos descritos nos anexos ou ele pode, por uma questão de segurança jurídica, deixar para fornecer dados completos sobre tais situações em depoimentos prestados após a homologação judicial do acordo?

Não existe a necessidade de que as declarações sejam exaurientes, ainda que a bem da clareza, o conteúdo dos anexos (temas a serem informados) deva ser o mais delimitado possível. O detalhamento não seria exigível apenas por uma questão de segurança jurídica, mas também por se criar um dever anexo de colaboração permanente associado à eventual possibilidade de somente ao longo do tempo o colaborador poder acessar ou obter os elementos de colaboração necessários.

19. Qual o momento em que se aperfeiçoa um acordo de colaboração premiada: quando do encontro de vontades entre as partes; quando da assinatura do instrumento escrito; quando da colheita dos depoimentos iniciais do colaborador; ou quando da homologação judicial?

Existem opiniões distintas sobre o tema, abarcando os quatro momentos descritos. Considera-se, contudo, que a colaboração premiada somente é apta a produzir efeitos a partir da homologação judicial, revelando-se um ato jurídico complexo. Esse parece ser o momento certo a ser considerado, cabendo observar que ao menos a primeira turma do Supremo Tribunal Federal já conferiu (feito sigilo) orientação nesse sentido.

20. Além da fase de investigação criminal, o acordo de colaboração premiada pode ser celebrado durante o processo penal ou mesmo durante a execução penal? Há um termo final além do qual o acordo de colaboração premiada não pode mais ser celebrado?

A despeito de não haver tratamento exauriente sobre o tema, considerando-se que o acordo volta-se para a formação de uma pena, que se produz em processo de conhecimento, é possível sustentar que a possibilidade de acordo se dá até a formação do título definitivo transitado em julgado. Desse modo, parece mais difícil a sustentação de que seria cabível a celebração de acordo unicamente para casos em execução penal.

21. Um acordo de colaboração premiada pode ser celebrado por ocasião da audiência de instrução e julgamento, constando seus termos e a assinatura das partes da respectiva ata?

Caso a celebração seja tomada apenas como o ato de homologação, não parece haver embaraço. Compreensão contrária seria dada na hipótese de se discutir o acordo em audiência, uma vez que o art. 4º, §6º dispõe: “O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor”.

22. Havendo relato de múltiplos fatos delitivos por parte do colaborador, de competência territorial, material e funcional diversa, não necessariamente conexos, é admissível a celebração de um único acordo de colaboração premiada ou é necessária a celebração de vários acordos, em instrumentos separados, cada um contando inclusive com a atuação do órgão do Ministério Público dotado de atribuição para tratar dos fatos a que cada acordo se refere?

A indagação que se formula traduz duas formas possíveis de se celebrarem acordos: uma seria a formação de acordos, grosso modo, universais, abarcando, eventualmente, múltiplos temas sujeitos a múltiplas jurisdições e ministérios públicos com distintas atribuições; a outra forma seria a formalização de acordos pontuais, afetos a jurisdições e atribuições ministeriais específicas, abarcando-se os fatos conexos. A conformação atual existente conduz à compreensão de que apenas os tribunais superiores poderiam homologar os acordos ditos universais em sua extensão, firmando a sua própria competência e procedendo o desmembramento a outros juízos daquilo que não for de sua competência.

23. Havendo mais de um colaborador relatando os mesmos fatos ou fatos conexos, é admissível a celebração de um único acordo de colaboração premiada para todos ou é necessária a celebração de um acordo para cada qual, em instrumentos separados?

Como o acordo envolve uma série de garantias individuais e visa ao ajuste de uma pena pautada no princípio da individualização e tendo-se em conta que a visão de cada colaborador é ou pode ser distinta, a conduta desejável é a de que cada colaborador tenha o seu instrumento separadamente.

24. O investigado ou acusado que assinar um acordo de colaboração premiada pode dele desistir antes da homologação judicial? Do mesmo modo, o Ministério Público que assinar um acordo de colaboração premiada pode dele desistir antes da homologação judicial?

De modo convergente ao defendido na resposta 55, antes da homologação, ambas as partes podem desistir do acordo. O caso concreto pode exigir que se verifique se não remanesceriam garantias às partes (uso parcial de provas ou concessão parcial de benefícios) fundada na responsabilidade pré-contratual, na formação de justas expectativas e na existência ou não de motivação para a desistência do pactuado.

25. Qual o juiz competente para homologação do acordo de colaboração premiada celebrado na fase de investigação criminal?

A competência para homologação do acordo de colaboração seria a do juízo responsável para a apreciação de diligências instrutórias sujeitas à reserva de jurisdição.

26. Havendo relato de múltiplos fatos delitivos, não necessariamente conexos, de competência territorial diversa, por parte do colaborador, qual o juiz competente para homologação do acordo de colaboração premiada?

Sem embargo das ressalvas apresentadas na resposta 58, com a possibilidade de redução temática e celebração de mais de um acordo nessa hipótese, os critérios de definição de competência (arts. 76 e seguintes do Código de Processo Penal) seriam guia para a definição do juízo.

27. Havendo relato de múltiplos fatos delitivos, não necessariamente conexos, de competência material diversa, por parte do colaborador, qual o juiz competente para homologação do acordo de colaboração premiada?

Assim como apontado na resposta anterior e sem embargo das ressalvas apresentadas na resposta 58, com a possibilidade de redução temática e celebração de mais de um acordo nessa hipótese, os critérios de definição de competência (arts. 76 e seguintes do Código de Processo Penal) seriam guia para a definição do juízo.

28. Havendo relato de múltiplos fatos delitivos por parte do colaborador, não necessariamente conexos, sendo que em relação a uma ou algumas dessas situações existe menção ao envolvimento de agente público detentor de foro por prerrogativa de função, qual o juízo competente para homologação do acordo de colaboração premiada?

Assim como é adotado no trato jurisprudencial de investigações em curso, cabe à Corte de superposição definir sua competência. Desse modo, caberia ao foro especial a homologação do acordo. Há dois aspectos adicionais, contudo, que merecem consideração: o primeiro é de que “[...] mera citação ao nome de autoridades detentoras de prerrogativa de foro, seja em depoimentos prestados por testemunhas ou investigados, seja na captação de diálogos em interceptação telefônica judicialmente autorizada, é insuficiente para o deslocamento da competência para o juízo hierarquicamente superior. Precedentes.” (AP 1029 AgR-segundo, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 10/05/2019, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-108 DIVULG 22-05-2019 PUBLIC 23-05-2019). Este tema pode suscitar debates seja pela indefinição sobre o que seria a “mera citação” e, ainda, sobre que juízo caberia fazer esse reconhecimento; além disso, após o julgamento da questão de ordem na Ação Penal 937, o Supremo Tribunal Federal entendeu que “o foro por prerrogativa de função dos exercentes de mandatos parlamentares aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”, tendo ampliado esta compreensão aos demais cargos no julgamento da questão de ordem no Inquérito 4703. Remanesce como ponto sujeito a discussões, contudo, definir qual o juízo teria o condão de examinar esta ausência de correlação com o cargo.

29. Sendo o próprio colaborador um agente público detentor de foro por prerrogativa de função, qual o juízo competente para homologação do acordo de colaboração premiada com ele celebrado?

Em consonância com a resposta 28 e tendo em conta os efeitos em investigação penal ou ação penal, o juízo competente (com a ressalva apontada sobre a QoAP 937) seria o correspondente ao foro por prerrogativa de função.

30. Sendo celebrado um acordo de colaboração premiada com um acusado cuja ação penal encontre-se em grau de recurso, pendente de julgamento apelação criminal, qual o juízo competente para homologação do acordo?

O juízo do processo de conhecimento seria o da corte de superposição, cabendo ao relator da apelação a função de homologação (nesse sentido, no que diz respeito à atribuição do relator cf. Informativo 870 STF, relativo ao Inquérito 4112).

Nota de Rodrigo Telles: Discordo da resposta. Sei que a solução da resposta tem apoio da doutrina majoritária e da prática em alguns casos na Lava Jato. No entanto, entendo que em qualquer caso a competência homologatória é do juiz de primeiro grau. Isso acontece normalmente com os incidentes processuais penais, como pedidos de restituição de coisa apreendida e revogação de prisão preventiva. Não poderia ser diferente com o incidente de homologação de colaboração, até mesmo para preservar o direito das partes de recorrer de qualquer decisão, o qual restaria suprimido ou restringido caso a competência seja de tribunal. Esse entendimento inclusive afasta outros problemas que podem ocorrer na prática, objeto das questões 67 e 68 (caso em grau de recursos especial e extraordinário, quando as cortes não analisam mais aspectos fáticos e probatórios, em torno dos quais gira uma colaboração premiada, e caso com e sem execução de pena).

31. Sendo celebrado um acordo de colaboração premiada com um acusado cuja ação penal se encontre em grau de recurso, pendente de julgamento recurso especial ou extraordinário, não havendo ainda execução provisória da pena, qual o juízo competente para homologação do acordo?

O juízo do processo de conhecimento seria o da corte de superposição, cabendo ao relator do recurso em apreciação a função de homologação (nesse sentido, no que diz respeito à atribuição do relator cf. Informativo 870 STF, relativo ao Inquérito 4112).

32. Sendo celebrado um acordo de colaboração premiada com um acusado cuja ação penal se encontre em grau de recurso, pendente de julgamento de recurso especial ou extraordinário, já havendo execução provisória da pena, qual o juízo competente para homologação do acordo?

A resposta é idêntica à anterior, sem prejuízo da delegação de atos ao juízo da execução penal, notadamente, em razão da possível alteração do quantum de pena e mesmo do regime de cumprimento.

33. Sendo celebrado um acordo de colaboração premiada com um apenado, submetido à execução definitiva da pena, qual o juízo competente para homologação do acordo?

A homologação não se daria no processo em que se cumpre a execução definitiva (vide resposta 56), mas em investigação ou em outra ação penal. Sem prejuízo seria necessária a comunicação ou a delegação de atos ao juízo da execução penal, notadamente, em razão da possível alteração do quantum de pena e mesmo do regime de cumprimento.

34. Qual o instrumento processual penal adequado para aplicação dos benefícios do acordo de colaboração premiada celebrado com apenado submetido à execução definitiva da pena?

Além da comunicação pelo juízo homologador (vide resposta 69), uma simples petição do MP ou do colaborador (o acordo pode dispor a respeito), autuada em sigilo, é bastante para a produção dos efeitos desejados.

35. Qual o fundamento jurídico do acordo de leniência celebrado pelo Ministério Público Federal (MPF)?

Com fundamento em interpretação sistemática do ordenamento jurídico, o Ministério Público Federal celebra Acordos de Leniência com pessoas jurídicas, passíveis de responsabilização pela prática de atos lesivos contra administração pública nacional e estrangeira (Lei nº 12.846/2013) e de atos de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992), na esfera extrajudicial e/ou judicial, com fundamento no artigo 16 da Lei nº 12.846/2013, artigo 5º, §6º da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº7.347/1985), artigo 3º, §2º e §3º, 485-VI e 487-III, alíneas b e c do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), bem como nos artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011, e artigo 37 da Convenção de Mérida (Decreto nº 5.687/2006) e artigo 26 da Convenção de Palermo (Decreto nº 5.015/2004), recorrendo-se, ainda, ao artigo 4º a 8º da Lei nº 12.850/2013, artigos 13 a 15 da Lei nº 9.807/1999 e artigo 1º, §5º da Lei nº 9.613/1998.

O Ministério Público Federal interpreta os dispositivos acima referidos como integrantes de microssistema normativo de tutela da probidade ou anticorrupção, o qual, admitindo a celebração de acordos na esfera penal, não poderá desautorizar idêntica possibilidade na esfera civil, incluindo o domínio da improbidade administrativa (Lei nº 12.846/2013 e Lei nº 8.429/1992), no bojo do qual tem a legitimação ativa para propositura das ações civis públicas competentes.

36. Quais normas jurídicas regulamentam o acordo de leniência celebrado pelo MPF?

Nos termos do artigo 58 da Lei Complementar nº 75/1993, as Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal são os órgãos setoriais de coordenação, de integração e de revisão do exercício funcional na instituição, competindo, dentre outras atribuições, a de promover a integração e a coordenação dos órgãos institucionais que atuem em ofícios ligados ao setor de sua competência, observado o princípio da independência funcional (artigo 62, inciso I). No exercício desta coordenação, o Ministério Público Federal, através de suas Segunda e Quinta Câmaras de Coordenação e Revisão, elaboraram diretrizes gerais sobre a celebração de acordos (colaboração premiada e acordo de leniência), formalizados em dois atos normativos: a Orientação nº 07, de 24.08.2017, da 5ª CCR/MPF e a Orientação Conjunta nº 01, de 23.05.2018, da 2ª e 5ª CCR´s. Também encontra-se disponível na internet a Nota Técnica nº 01/2017, de 20.11.2017, sobre Acordo de Leniência e seus efeitos. O MPF observa a disciplina constante da Lei nº 12.846/2013, muito embora esta não aluda ao Parquet no tratamento legal da leniência, da mesma forma que aplica os parâmetros do Decreto Regulamentar nº 8.240/2015, visando oferecer segurança jurídica ao tema.

37. Em que consiste o acordo de leniência?

O acordo de leniência se constitui em instrumento técnico-jurídico pelo qual o Ministério Público Federal e as pessoas jurídicas colaboradoras dispõem, consensualmente, sobre o exercício da postulação sancionatória do Parquet, em face do reconhecimento da prática de atos lesivos (artigo 5º da Lei nº 12.846/2013) e atos de improbidade administrativa (artigos 9º, 10, 10-A e 11 da Lei nº 8.429/1992 e legislação extravagante), e a oferta de benefícios sancionatórios – isenção ou atenuação de sanções legais -, tendo como pressuposto o recebimento de informações sobre autoria e materialidade de ilícitos, incrementando a atividade de investigação estatal, formalizando relação jurídica pautada na cooperação, boa-fé e proporcionalidade, com o fim de realizar o interesse público em cada caso.

O acordo de leniência é uma categoria singular de consensualidade no exercício da atividade de investigação ou de apuração dos ilícitos tipificados nas citadas Leis, e busca assegurar, de um lado, a eficiência e eficácia na utilização de recursos institucionais no desvelamento de Estado, na investigação e persecução de ilícitos, com o fim de tutelar a organização do Estado contra práticas de corrupção; de outro lado, constitui forma específica de cooperação das pessoas jurídicas responsáveis (cf. art. 1º, p.único da LAC), incentivando-as a promover a efetividade do cumprimento da lei e da conformidade de suas condutas, no exercício de suas atividades no campo econômico e social. Nesta linha, o Acordo de Leniência tem como objetivo legal o aperfeiçoamento de Programas de Integridade no âmbito da pessoa jurídica colaboradora.

É relevante ressaltar que o Acordo de Leniência não busca a reparação integral do dano causado pela práticas corruptivas, sendo que este tipo de ressarcimento no acordo, quando cabível e negociado, ocorre a título de antecipação de pagamento ou quitação de dano, necessariamente em caráter parcial, jamais integral.

38. Qual a diferença entre acordo de leniência e termo de ajustamento de conduta?

Havendo a prática de ilícitos na organização e execução de atividades estatais, o ordenamento jurídico estabelece diversas consequências legais. Conforme as circunstâncias, para a tutela do direito difuso à probidade tutela pela Constituição Federal, o Ministério Público deverá tomar as providências para a proteção do patrimônio público e social (artigo 129, inciso III CF).

O Termo de Ajustamento de Conduta é a forma consensual de solução de irregularidades, prevista no artigo 5º, §6º da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), através do qual os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. Com esta fisionomia, o campo próprio do TAC está no alinhamento da atividade estatal investigada no âmbito extrajudicial ao disposto nas normas jurídicas, autorizando a previsão de cominações (obrigações de dar, de fazer e não fazer, incluindo multas cominatórias), sendo ao mesmo legalmente atribuído à forma de título executivo extrajudicial, para os fins do artigo 784, inciso XII do CPC. Com o TAC, busca-se cessar a invalidade jurídica de atos e omissões imputados aos Poderes Públicos, regularizando situações em desarmonia com o sistema jurídico.

O Acordo de Leniência é outra forma consensual, especificamente estabelecida no campo da tutela da probidade administrativa, bem jurídico metaindividual, disciplinada no artigo 16 da Lei nº 12.846/2013, denominada Lei Anticorrupção. Será celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos ilícitos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo – no Parquet, este processo é o inquérito civil público -, sendo que dessa colaboração resulte: I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. Com esta fisionomia, o Acordo de Leniência repercute no campo da atividade sancionatória decorrente de práticas corruptivas, visando a sua cessação, estabelecendo a possibilidade legal de isenção e atenuação de sanções legais. No âmbito da LAC, conforme o artigo 16, 2º, a celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6º (publicação extraordinária da decisão condenatória) e no inciso IV do art. 19 (interdição de direitos) e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável, prevista no inciso I do art. 6º.

39. Qual a diferença entre acordo de leniência e colaboração premiada?

O Acordo de Colaboração Premiada é instituto próprio do Direito Penal, com previsão no artigo 3º, inciso I, da Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que dispõe sobre investigação penal e meios de obtenção de prova no caso de organizações criminosas. Da colaboração poderá advir um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

O Acordo de Leniência é instituto próprio de Direito Administrativo Sancionador, com previsão no artigo 16 da Lei nº 12.846, de 1 de agosto de 2013, e tem como resultados os referidos na questão nº 4.

Por conseguinte, ambos são novos institutos inseridos na disciplina da atividade punitiva penal e não penal do Estado, legalmente justificados em razão dos resultados perseguidos com a sua celebração, o que acentua o seu caráter pragmático em cada ramo jurídico. A celebração não é obrigatória, dependendo da avaliação detalhada ou circunstanciada dos elementos de prova já existentes ou colhidos na atividade investigativa estatal, o que descaracteriza direito subjetivo de investigados à sua formalização.

Por fim, relevante destacar que, na disciplina penal, os acordos de colaboração premiada estão sujeitos à homologação judicial, conforme o artigo 4º da Lei 12.850/2013, sendo que os acordos de leniência, firmados no curso da atividade extrajudicial civil, estão sujeitos exclusivamente à homologação perante a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. As atribuições da 5ª CCR/MPF encontra-se no artigo 2º, §5º da Resolução CSMPF nº 20, de 6 de fevereiro de 1996. O regimento interno deste relevante Colegiado foi aprovado pela Resolução CSMPF nº 102, de 2 de fevereiro de 2010.

40. O MPF celebra acordo de leniência no âmbito da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa?

O Ministério Público Federal celebra acordos de leniência no âmbito do domínio punitivo da improbidade administrativa, previsto no artigo 37, § 4º da Constituição Federal, e regulado pela Lei Geral de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), considerando que está revogado implicitamente o disposto no artigo 17, § 1º a proibição de transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o referido Diploma Legal. Trata-se de perda superveniente de validade da proibição legal, decorrente da evolução de princípios e regras que sustentam a atividade sancionatória de práticas de corrupção (sentido amplo), no direito brasileiro.

A Lei de Improbidade Administrativa tipifica os ilícitos em atos de enriquecimento ilícito (art. 9º), atos que causam dano ao Erário Público (art. 10), atos decorrentes de Concessão ou Aplicação Indevida de Benefício Financeiro ou Tributário (art. 10-A), atos que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11). Como reação, tipificam-se as seguintes sanções constitucionais expressas: perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e ressarcimento ao erário; sanção constitucional implícita: perdimento de bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio; e sanções legalmente instituídas: multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, com variações estabelecidas no artigo 12, incisos I a IV. Há disciplina da medida cautelar de indisponibilidade, sequestro e bloqueio de bens (art. 7º). Ao Ministério Público foi regulamentar assegura a legitimidade ativa na propositura das ações (art. 17).

A admissibilidade da celebração de Acordos de Leniência no domínio da improbidade administrativa é um imperativo de um sistema preventivo e repressivo de práticas corruptas, que exige coerência, racionalidade e eficiência para o seu regular funcionamento. Seria desarrazoado tolerar que pessoas jurídicas (cf. art. 1º da LAC) possam se beneficiar destes ajustes, ao passo que, ao mesmo tempo, estes sujeitos devem ser punidos na forma da LGIA. Mesmo com o disposto no artigo 30, inciso I, da LAC, a interpretação sistemática autoriza conclusão de que o instituto do acordo de leniência – favorável aos sujeitos passíveis de responsabilização – deve ter seu campo material estendido ao âmbito da Lei nº 8.429/1992. Para o Ministério Público Federal, esta extensão rege-se, inclusive, pelo princípio da retroatividade da norma mais benigna, no Direito Administrativo Sancionador, sendo admissíveis acordos de leniência para ilícitos praticados em momento anterior à vigência da Lei nº 12.846/2013 (02.02.2014).

Em termos de benefícios, os acordos de leniência no campo da Lei de Improbidade Administrativa devem observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ínsitos ao devido processo legal substantivo (art. 5º, LIV CF) e ao princípio do Estado de Direito (art. 1º). Atento aos parâmetros da Lei nº 12.846/2013, o MPF fixa os benefícios na LGIA, com imparcialidade e objetividade.

41. O MPF é parte nos acordos de leniência celebrados no âmbito da Administração Direta e Indireta do Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário da União ?

Dentro da atual sistemática legal (Lei nº 12.846/2013 e Lei nº 8.429/1992), o Ministério Público Federal não é parte dos Acordos de Leniência celebrados pela Administração Pública Federal, Direta e Indireta, nos exatos termos do artigo 16 da LAC. A LAC atribui à autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública a competência para celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos (art. 16, caput). Também estipula que a Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira (art. 10, § 10). Nos termos do Decreto Regulamentador nº 8.420/2015, a Controladoria-Geral da União exerce esta atribuição nos termos dos artigos 28 a 40. Os acordos de leniência celebrados pela CGU contam com a participação da AGU (nos termos da Portaria Conjunta N° 4, de 9 de agosto de 2019), e submetem-se ao controle externo do TCU, nos termos da Instrução Normativa Nº 83, de 12 de dezembro de 2018.

Todavia, este marco legal não é impeditivo da necessária cooperação interinstitucional – entre MPF, CGU e AGU – no campo da celebração de acordos de leniência. Em sua atuação funcional, o Ministério Público Federal tem, respeitosamente, prestigiado a atuação conjunta entre todas as Instituições, buscando o melhor cenário de pactuação e assinatura de Acordos de Leniência cujos termos sigam as mesmas diretrizes na aplicação das normas vigentes. Mesmo quando similares em seu conteúdo, porém, o Acordo de Leniência do MPF segue, após a assinatura, para homologação exclusiva da 5ª CCR-MPF. A cooperação interinstitucional é fundamental para a segurança jurídica das pessoas jurídicas colaboradoras, evitando-se qualquer duplicidade ou contradição nas obrigações, deveres e sujeições decorrentes da sua formalização.

O Acordo de Leniência celebrado pela CGU/AGU é resultado de processo administrativo instaurado no âmbito do Ministério da CGU, de forma prévia ou concomitante ao início do processo administrativo de responsabilização (PAR). Sob este prisma, o Acordo de Leniência no MPF será negociado e celebrado no âmbito de Inquérito Civil Público, instaurado e distribuído conforme as regras prévias de atribuição funcional de seus membros.

Por fim, importa destacar que o Inquérito Civil Público do MPF está submetido às normas constantes da Resolução CSMPF nº 87/2010 e às normas da Resolução CNMP nº 23/2017. Da mesma forma, o CNMP aprovou normas regulamentadoras da celebração de Termos de Compromisso de Ajustamento de Condutas, na Resolução CNMP nº179/2017.

42. Qual a diferença entre os acordos de leniência celebrados no âmbito da Lei nº 12.846/2013 e Lei nº 8.429/1992, e o acordo de leniência previsto na Lei do CADE?

Deve ficar claro que as hipóteses de celebração de Acordo de Leniência em matéria anticorrupção (Lei nº 12.846/2013 e Lei nº 8.429/1992) são diferentes das hipóteses previstas da Lei nº 12.529/2011, que institui o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, do qual participa o CADE (artigo 3º). A Lei nº 12.529 institui Programa de Leniência, em seus artigos 86 e 87. As hipóteses de infrações administrativas estão tipificadas nos artigos 31 a 36, merecendo destaque a prática de acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma, preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública (art. 36, § 3º, inciso I, alínea d).

A LAC também tipifica os mesmos fatos no seu inciso IV. Em certa perspectiva, é visível a inspiração do artigo 16 da LAC no regramento da Lei Antitruste, que, todavia, expressamente admite a celebração de Acordos com pessoas físicas, e consagra ampla abrangência fática na sua disciplina, com previsão da denominada leniência plus (relato de outra infração, da qual o CADE não tenha qualquer conhecimento prévio). Sobre os mesmos fatos, incidindo ambas as legislações, percebe-se que cada legislação buscar tutela bem jurídico específico. A LAC volta-se para a tutela direta ou imediata da probidade da administração nacional e estrangeira, ao passo que a Lei Antitruste se consagra a tutelar a liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores, bem como reprimir o abuso do poder econômico (art. 1º). Em casos de incidência legal sobre os mesmos fatos, o Ministério Público Federal igualmente tem sua atuação dirigida a prestigiar a articulação interinstitucional (MPF, CGU/AGU e/ou CADE), de modo a preservar a segurança jurídica de colaboradores, o princípio da proporcionalidade, bem como a realização do interesse público no caso concreto.

Importante sublinhar que, no CADE, o MPF possui representação específica. Nos termos do artigo 20, o Procurador-Geral da República, ouvido o Conselho Superior do MPF, designará membro do Ministério Público Federal para, nesta qualidade, emitir parecer, nos processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, de ofício ou a requerimento do Conselheiro-Relator. Com esta atribuição firmada em lei, e considerando as repercussões criminais e cíveis dos Acordos de Leniência, o MPF tem promovido sua regular interveniência nos Acordos de Leniência celebrados no CADE. O Acordo de Leniência firmado pelo MPF, na seara sancionatória da tutela da probidade, será norteado pela harmonização de sua atuação criminal e cível, como ocorre em todos os casos.

Como registro o Guia do Programa de Leniência Antitruste do CADE, “Com o objetivo de facilitar a interlocução entre o compromissário e o Ministério Público, o CADE, em 16 de março de 2016, assinou Memorando de Entendimentos com o Grupo de Combate a Cartéis do Ministério Público Federal em São Paulo formalizando a possibilidade de coordenação institucional caso os proponentes tenham interesse em colaborar tanto no âmbito do TCC com o CADE quanto em acordo de colaboração com o MPF/SP. Foram previstas duas possibilidades de acordos no âmbito criminal paralelamente à celebração de TCCs [Termos de Compromisso de Cessação] : (i) Acordo de Colaboração Premiada, nos termos da Lei 12.850/2013 (Art. 4º), e (ii) Confissão qualificada pela delação, nos termos da Lei 8.137/90 (Art. 16).”

43. Acordo de leniência celebrado pelo MPF vincula o Poder Executivo da União?

A 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF adota a ideia de transversalidade como pressuposto de existência do Acordo de Leniência celebrado seja pelo MPF seja por órgãos e entidades da Administração Pública.

Conforme explica a Nota Técnica nº 001/2017: “A inserção de instrumentos de consensualidade no direito sancionador implica a adoção de novas posturas interpretativas na aplicação de leis punitivas sob a égide constitucional. A ordem é promover a harmonização entre dispositivos legais, para conferir racionalidade, coerência, razoabilidade e efetividade ao sistema jurídico como um todo. Este novo desenho do regime sancionatório enseja a alteração de standards na incidência da legislação afeta ao direito administrativo sancionador, seja stricto sensu (no processo administrativo), seja na via judicial (chamada na lei de responsabilidade civil), de pessoas jurídicas, que devem se adequar aos pressupostos que fundamentam e justificam a solução negocial incentivada pelo ordenamento.” E complementa: “Para atingir máxima utilidade e fornecer melhores resultados às partes, o instituto negocial depende da observância do que se denomina transversalidade em cada configuração concreta. Compreende-se por caráter transversal a heterogeneidade de situações jurídicas em que estão a pessoa jurídica infratora (parte disposta a colaborar) e o Poder Público (parte leniente). Em razão da existência e da autonomia dos sistemas de responsabilização, o Poder Público apresenta-se fragmentado, com órgãos e entidades diversas, com atribuições constitucionais e legais diferenciadas, que detêm pretensões sancionadoras distintas em razão dos mesmos atos ilícitos. No entanto, em situação diversa, do ponto de vista da pessoa jurídica infratora a realidade infracional é unitária, ainda que sujeita aos diferentes canais estatais de responsabilização. De um lado, fragmentação sancionatória; de outro, unidade da personificação jurídica afetada pelas diversasconsequências sancionatórias. Para compatibilizá-la com a aludida fragmentação organizacional do Estado, no intuito de assegurar efetivo equilíbrio às posições de cada parte, há de se interpretar as diversas regras do microssistema para respeitar o princípio de que a leniência deve beneficiar, mas não prejudicar o colaborador, quando se compara sua situação posterior à leniência com aquela em que estaria caso não tivesse optado pelo acordo.”

Com esta transversalidade, o Ministério Público Federal entende que ostenta atribuição de defesa de seus Acordos de Leniência, junto ao Poder Executivo da União, que possui igual competência para celebração de acordos, através da CGU/AGU. Exceto quando negociados em conjunto – quando incidem os efeitos da boa-fé objetiva em prol do colaborador e limitador da atuação estatal, o Acordo de Leniência do MPF não vincula o Acordo de Leniência CGU-AGU. Porém, entende-se que o Acordo de Leniência do MPF não poderá ser utilizado para prejudicar a pessoa jurídica colaboradora, em caso de posterior AL da CGU/AGU, derivado de compartilhamento de provas recebidas no primeiro, em função dos mesmos atos ilícitos abrangidos no escopo do ajuste.

44. Acordo de leniência celebrado pelo MPF vincula o Tribunal de Contas da União?

Nos termos do artigo 70 da CF, “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo”. Complementa o artigo 71 que “o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União”. Dentre as atribuições da Corte de Contas, está o julgamento de “contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público (art. 71, inciso II, CF).

A prática de corrupção não raro enseja a ocorrência de dano causado ao Erário Público Federal. Assim o reconhecem a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei Anticorrupção. Nesta exata medida, haverá inúmeras situações de fato em que Acordo de Leniência firmado pelo MPF tem pertinência com fatos ilícitos objeto de atribuição do Tribunal de Contas da União (TCU), especificamente na sua missão institucional de “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário” (art. 71, inciso VIII).

O Ministério Público Federal, em seus Acordos de Leniência, tem expressa cláusula de preservação da autonomia constitucional funcional do Tribunal de Contas da União, nos termos da Constituição e de sua Lei Orgânica (Lei nº 8.443/1992). Na mesma linha, quaisquer pagamentos efetuados na execução de Acordos de Leniência, a título de ressarcimento ao Erário, todos são formalizados como quitação parcial da obrigação de indenizar, assegurado ao colaborador utilizar o pagamento acordado e efetivado para

O Ministério Público Federal tem prestigiado a coordenação interinstitucional no processo de celebração de Acordos de Leniência, considerando adequadamente o controle externo a cargo do TCU sobre os fatos. Esta diretriz institucional é seguida em casos sob apreciação exclusiva do MPF, bem como em casos sob apreciação conjunta do MPF e outras Instituições (CGU/AGU, entes da Administração Federal Indireta, CADE, CVM, Banco Central etc.) Todavia, cumpre destacar que, em se tratando de exercício de atribuição finalística do Parquet, os Acordos de Leniência celebrados pelo MPF não estão submetidos à fiscalização prévia, concomitante ou posterior da Corte de Contas, atualmente disciplinada pela Instrução Normativa Nº 83, de 12 de dezembro de 2018.







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  DÚVIDAS DA IMPRENSA


1. O que é um acordo de leniência?

É um instrumento pelo qual um agente privado envolvido em atos ilícitos ou de corrupção admite sua culpa e oferece informações úteis e provas para as autoridades como colaboração em processo sancionador, em troca da extinção ou da redução das penas ou das sanções.

2. O acordo de leniência está previsto em qual legislação?

A Lei Anticorrupção (Lei n. 12.846/13) prevê as regras para a celebração do acordo de leniência no artigo 16. Outras normas e dispositivos que garantem base jurídica para o instrumento são:

  • Art. 129, inciso I, da Constituição Federal; - Art. 5o, §6o, da Lei no 7.347/85;
  • Art. 26 da Convenção de Palermo;
  • Art. 37 da Convenção de Mérida;
  • Artigos 3o, §§2o e 3o, do Código de Processo Civil; - Artigos 840 e 932, III, do Código Civil;
  • Artigos 16 a 21 da Lei no 12.846/2013;
  • Lei no 13.140/2015

3. Quais são os requisitos para a celebração de um acordo de leniência?

A empresa precisa manifestar interesse em assinar o acordo, além de interromper a prática da irregularidade investigada e admitir a participação na infração. Deve ainda colaborar de forma plena e efetiva com as investigações, fornecendo provas dos atos ilícitos, além de informações que esclareçam suas circunstâncias e o papel dos envolvidos.

4. Quais são os possíveis benefícios para as empresas colaboradoras?

Os possíveis benefícios são redução da multa, em valor que pode chegar a 2/3 do total, e afastamento das penas de suspensão das atividades da empresa ou de proibição de contratação com o Poder Público (inidoneidade). Também pode ser atenuada ou afastada a pena de proibição de receber do Governo Federal incentivos ou subsídios.

A assinatura do acordo de leniência não desobriga a empresa indenizar o prejuízo causado à Administração Pública pela atividade ilícita.

Os benefícios são sempre calculados de forma proporcional às provas apresentadas. Assim, quanto maior a contribuição para as investigações, maiores podem ser benefícios e isenções concedidos.

5. Como é calculada a multa ou indenização que a empresa deve pagar?

As multas devidas em decorrência das infrações abrangidas pelo acordo de leniência dependerão do alcance do acordo, conforme definido na Orientação no 07/2017 do Ministérios Público Federa. As hipóteses estão previstas na Lei de Improbidade Administrativa ou na Lei Anticorrupção, e serão determinadas consoante as circunstâncias e a aplicabilidade das referidas leis em cada caso concreto.

6. Além de multa, que outras obrigações ou penalidades podem ser impostas às empresas infratoras que assinam acordos de leniência?

A reparação integral de danos causados, assegurada por cláusulas e obrigações propostas no próprio acordo. Ademais, poderá haver a sanção de inidoneidade para contratar com o Poder Público, com possibilidade de ser suspensa mediante o cumprimento do acordo.

7. Quais são as fases do acordo?

O acordo começa com o interesse das partes em firmá-lo, em conversas iniciais sobre provas a serem apresentadas e possíveis benefícios para o colaborador. Nessa etapa, o membro do Ministério Público Federal responsável pelo caso analisa necessidade e a conveniência do acordo para as investigações em curso.

Confirmado o interesse das partes, a empresa deve reunir os fatos que constituem crimes e as respectivas provas, que saão apresentados em conjuntos de documentos chamados anexos. É preciso trazer um anexo para cada fato tiípico descrito ou conjunto de fatos típicos intrinsecamente ligados, com todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração disponíveis.

Os anexos são avaliados pelo MPF e, se forem considerados úteis para a investigação, começa a negociação sobre os benefícios para a empresa, valores de multa e de indenização, observando-se sempre a proporcionalidade entre provas apresentadas e benefícios concedidos.

A próxima etapa é a elaboração da minuta do acordo de leniência. Se as negociações forem realizadas com mais de um órgão, os acordos devem ser lavrados de forma separada. Depois de assinado, o documento segue para a Câmara de Combate à Corrupção do MPF, em Brasília, para análise e homologação. Com a homologação, os autos voltam para o procurador responsável pelo caso, que irá acompanhar a execução do acordo, pagamentos e ações relacionadas.

8. O que acontece se o acordo não for homologado pela Câmara de Combate à Corrupção do MPF?

Os autos são devolvidos à origem, para revisão das cláusulas, correção dos problemas apontados ou elaboração de novo acordo, a depender do caso.

9. Que situações ou problemas podem motivar a não homologação de um acordo de leniência pela Câmara de Combate à Corrupção do MPF?

Questões de interesse público relacionadas ao caso concreto podem ensejar a não homologação do acordo. Por exemplo, a desproporcionalidade entre a colaboração prestada e benefícios previstos no acordo.

10. Como é feita a divulgação dos acordos celebrados pelo MPF?

Os acordos são divulgados depois de homologados, na página da Câmara de Combate à Corrupção do MPF: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr5/coordenacao/colaboracoes-premiadas-e- acordos-de-leniencia/copy_of_colaboracoes-premiadas-e-acordos-de-leniencia

O sítio disponibiliza informações sobre os acordos homologados e as íntegras dos termos não sigilosos. Os anexos não são publicados, pois trazem indicações de provas, testemunhas e informações que, se divulgadas, podem prejudicar as investigações.

11. Que outros órgãos podem celebrar acordos de leniência?

Além do Ministério Público, segundo a Lei no 12.846/13, os órgãos do controle interno podem celebrar acordos de leniência, auxiliados pela Advocacia Pública, nas três esferas de poder. Além disso, o CADE pode celebrar acordos de leniência na esfera Antitruste, nos termos da Lei no 12.529/11; e a CVM e o BACEN, em suas respectivas esferas de atribuição, conforme a Lei no 13.506/17.

12. O que acontece quando uma mesma empresa firma acordos de leniência com mais de um órgão de controle?

Caso as negociações sejam realizadas em conjunto com outros órgãos, tais como a CGU, a AGU, CADE, TCU, os acordos deverão ser lavrados em instrumentos independentes, a fim de viabilizar o encaminhamento aos respectivos órgãos de controle.

Nessa hipótese, a colaboradora poderá obter a extensão dos efeitos do acordo de leniência a mais de uma esfera sancionatória.

13. Os acordos de leniência são sempre sigilosos?

Em regra, não. É possível ter acesso à integra do acordo depois da homologação pela Câmara de Combate à Corrupção do MPF. Já os anexos permanecem em sigilo, pois sua divulgação poderia atrapalhar as investigações. As íntegras dos acordos ficam disponíveis na internet, depois que eles são homologados.

14. Como é feito o acompanhamento do pagamento dos valores previstos no acordo e do cumprimento das obrigações previstas?

Após a homologação do acordo pela 5a CCR e da devolução dos autos à origem, o cumprimento das obrigações pactuadas será realizado por meio de procedimento administrativo de acompanhamento, que prosseguirá até o encerramento dos pagamentos pactuados ou das ações cíveis em que forem utilizadas as informações decorrentes do acordo de leniência, nos termos da orientação no 07/2017 da 5a CCR.

15. Qual é a destinação dos valores cobrados das empresas?

Os valores recuperados por meio dos acordos de leniência são destinados às vítimas dos atos ilícitos praticados pelos colaboradores. Esses valores são ressarcidos ao erário do ente público lesado e, eventualmente, destinados a projetos sociais.

16. O que acontece se as informações prestadas pela empresa para esclarecer os atos ilícitos forem falsas ou não contribuírem para a investigação?

A colaboração da empresa com as investigações e o processo administrativo deve ser permanente, plena e eficaz, produzindo um ou mais dos resultados previstos na Lei no 12.846/13. Caso as informações prestadas pela colaboradora sejam falsas ou não contribuam para as investigações, o acordo não deve ser celebrado e, caso já tenha sido, deve ser rescindido.

17. Qual é o procedimento nas situações em que a empresa revela atos ilícitos com repercussões no exterior?

Nos termos do artigo 28 da Lei no 12.846/13, o mesmo procedimento aplicável aos atos de corrupção cometidos no Brasil aplica-se aos atos lesivos praticados por pessoa jurídica brasileira contra a administração pública estrangeira, ainda que cometidos no exterior.